domingo, 26 de julho de 2020

Da época do descaso ao FUNDEB como Política Pública Permanente de Estado




Dona Maria, minha mãe, nasceu em 1938, e começou a estudar em Garanhuns-PE, na década de 1940. Cursou os anos iniciais do Ensino Fundamental, naqueles tempos chamado de Primário, em  Colégio Público. Da série de admissão até a 6a. série estudou em Colégio Particular.

Isso tá registrado em sua memória e no seu Histórico Escolar...

Ela lembra que as crianças eram, em quase sua totalidade brancas. Só havia duas "negrinhas".

Filha do que hoje chamamos de Classe Média Baixa (a tal da "C"), teve que parar os estudos pra casar, entre os 15 pra 16 anos, o que era, na época,  praticamente um "Contrato Social":  A mulher, ao casar, tinha a função de cuidar da casa, ter e criar filhos (ele teve 15)  e obedecer ao marido.

A escola dos tempos de Dona Maria era pública, mas não universal. Deixava de fora um número imenso de pobres e negros. 

Em 1960, mais de 3/4 da população brasileira tinham até três anos de estudo; só 20% dos jovens dos 12 aos 15 concluíam o quarto ano. Foi nisso que deu o duradouro descaso das elites pela educação do povo.

O ensino fundamental se universalizou somente na última década do século passado- anos 90-  E, embora tivessem diminuído muito, em 2010 ainda persistiam no ensino médio diferenças importantes entre as taxas de escolarização de brancos, de um lado, e de pretos e pardos, de outro. Na Educação indígena, o poço era e é ainda muito profundo.

Fatores estruturais —como a intensa urbanização de fins dos anos 70 em diante- influíram naquele resultado positivo. 

Mas não teriam bastado sem o empenho das forças que lutaram pela democracia e, no governo, adotaram políticas ativas de reforma da educação. Das muitas, três merecem destaque;

A primeira, aprovada pelos constituintes em 1988,  foi a vinculação de receitas - entre 25% a 30% - que varia,   conforme luta, força e pressão dos Sindicatos de Professores e demais setores organizados  em defesa da aplicação de, no mínimo 30% da arrecadação da Federação, Estados e Municípios, os três níveis de governo com gastos em educação. 

A segunda teve dois momentos:

Um, a criação do Fundef (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental), tendo o Sociólogo e Deputado Federal Florestan Fernandes à  frente e defesa, na gestão do Ministro do MEC, Paulo Renato Souza, no governo Fernando Henrique Cardoso - 1995 a 2002.

O outro momento, a  transformação do FUNDEF  no FUNDEB (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica) por iniciativa de Fernando Haddad, Ministro da Educação de Lula. Que a Câmara dos Deputados transformou, na última terça- feira - 21/07/2020 em Política de Estado, passando a integrar a Constituição Federal e, praticamente dobrou o seu. Percentual, que  nesse ano será de 12%, mas, em 2023 será de 23% da arrecadação federal, sendo que, no mínimo 70% do valor, deve ser para pagamento de salários de Professores e Professoras, o que, se aplicado corretamente, deverá haver uma boa  valorização do "Ofício de Educar".

A terceira política, momento, foi a da criação de um sistema de avaliação dos diferentes níveis de ensino por meio de provas aplicadas aos estudantes.

A vinculação constitucional reservou recursos que permitiram a expansão e manutenção dos sistemas públicos de ensino, hoje atendendo a oito em dez estudantes.

O Fundef/Fundeb procurou diminuir as desigualdades regionais, garantindo um gasto mínimo por aluno e reservando uma parte substancial (70%, no mínimo) para remunerar professores.

Esses momentos/políticas públicas da Educação, não se explicam por algum viés estatista de seus idealizadores, mas pelo realismo de quem conhecia bem nossa experiência de descompromisso com a educação pública. O Brasil paga por ele até hoje, na qualidade —baixíssima— do ensino oferecido a milhões de jovens. 

A vinculação de receitas e o FUNDEF e FUNDEB e o sistema de avaliação não são, nem de longe, responsáveis por essa tragédia.

A Dona Maria, nos fins dos anos 70, concluiu o Ensino Fundamental e o Ensino Médio através do Ensino Supletivo, o que permitiu ser concursada como Técnica de Enfermagem e assim se aposentou aos 60 anos. Na condição de aposentada, voltou à sala de aula, agora na faculdade, onde se formou Pedagoga, Psico-Pedagogia e Especiação em "Psico-Pedagogia e  Dependência Química". Foi membro do Conselho Tutelar por três mandatos -,9 anos-. Hoje, aos 81 anos está no segundo mandato do Conselho Municipal de Hortolândia-SP, tendo ingressado nesses Conselhos pelo voto popular e universal. 

Ruilan dos Santos, Professor Aposentado, Cientista Social, Historiador, Pedagogo com Administração  e Supervisão Escolar.
23/07/2020

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