sábado, 9 de maio de 2020

Diálogos Pertinentes (Chico Gretter, Alessandra Gurgel e Aldo Santos)



Chico Gretter:
Boa tarde, tudo bom? Imagina isso, com o “solzão” que está por aí e o pessoal que gosta de praia não pode ir; está um sol cabeça, eu vejo pela minha janela aqui com meus e minhas sabiás, maior barato, depois eu mando foto.

 Alessandra, eu vou te contar uma história, vou contar para todo mundo, para as pessoas que não sabem. Aldo, eu só tomei meia cerveja... Estou legal, já gravei programa hoje, acordei às seis horas da manhã, gravei o programa que vai ao ar à noite sobre o tema: “EAD - Educação à distância, mas o que é isto?” (#falachico #fatosnãofakes).

No programa eu comento a entrevista do meu amigo, Marco Silva, doutor em educação; o cara é “fera”, ele é quietão, mineiro, você sabe como é que é. Olha, eu tento abordar, tento reunir ali, com a entrevista dele e tudo mais, as questões fundamentais desse negócio da EAD e do governo João Dória/Rossieli. Você sabe que o PSDB, os tucanos, esse pessoal todo aí, o que eles estão tentando fazer, como sempre fizeram: impor suas “novidades” sem diálogo com a categoria. Vai ao ar hoje à noite (29/04), às 10:30 horas. Mas, Alessandra, voltando ao assunto, eu vou contar a história. 
É o seguinte: nós estávamos numa reunião para colocar o nome da APROFFESP, que não era a APROFFESP ainda, não tínhamos um nome. Aí, o Aldo falou, sempre com aquela sabedoria dele, pois havia a Associação dos Professores de Filosofia, a AFESP, havia a SEAF nacional; eu pertenci à AFESP Associação Filosófica do Estado de São Paulo, que só aceitava filósofos, os caras grandões, da elite da Filosofia. Sabe como é que é, os professores da USP, da UNICAMP. A AFESP - Associação Filosófica do Estado de São Paulo - só tinha os bacanas, mestrado, doutorado, o resto era o resto, professor era nada, professor do Ensino Médio nem pensar. Aí, o Aldo, eu e outras pessoas, que não me lembro agora, pensamos assim: “Vamos fazer uma Associação de Filosofia, de professores/as de Filosofia e também de filósofos/as”. Foi essa a grande ideia, que acho foi do Aldo, “Associação dos Professores de filosofia e filósofos do Estado de São Paulo”. 
Quando a gente colocou filósofos, começou uma grande discussão, que é uma discussão semelhante no caso da profissão de jornalista.

 Eu não preciso ser formado em filosofia para ser filósofo, aliás já dizia Gramsci, que todos somos filósofos/as; por exemplo, existe você, Alessandra Gurgel, que é historiadora, mas é também filósofa, pois participa dos debates, faz reflexões filosóficas; e tem muitos que dão aula de filosofia e a filosofia não fecha a porta, a filosofia abre a comporta. Sócrates saía nas praças públicas, debatia com todos. 
Então, essa grande sacada da APROFFESP foi fantástica, porque Associação dos Professores de Filosofia e filósofos/as, pois há muita gente que é filósofo, que milita aqui e milita ali em outras áreas, são formados em outras áreas, mas são filósofos reconhecidos, embora não sejam graduados em Filosofia.

 Então, a gente lutou por isso, e não foi fácil não, não foi fácil não mudar esse conceito de filosofia, como Gramsci já tinha falado. Todavia, há sim os especialistas, certo? Eu sou formado em Filosofia e sou especialista numa área, o Aldo é especialista em outra, a Lúcia, a Sônia em outras áreas, somos especialistas dentro da Filosofia.

A Filosofia, e Antônio Gramsci, Sócrates, tiveram a grande ideia. Quando Gramsci diz que nem todo mundo é entomólogo, que é um especialista em inseto, nem todos são especialistas em aparelho de respiração, nem todos são especialistas em música, etc., mas todos pensam, por isso mesmo todos podem ser filósofos; e nós filósofos somos especialistas no pensamento e todos pensam! Olha, quando alguém descobrir isso, meus amigos e amigas filósofas, então descobriremos a riqueza e o “perigo” da filosofia, porque a gente pensa (reflete) o próprio pensamento!

Quando qualquer um diz: “Aquela rosa é bonita”, o filósofo pergunta: “O que é bonito?” “Porque ela é vermelha, eu amo vermelho e não gosto do amarelo, ou detesto azul”. Então, quer dizer que a rosa é bonita porque é vermelha? Mas o que é bonito? O que é vermelho, amarelo, azul? O que é a beleza? Está vendo a questão aí, o que é o ser das coisas? Parece pouco, mas não é; acontece que a maioria fica na superfície das coisas, no senso comum que nos é imposto pela tradição ou pelas “autoridades” que dominam as sociedades.

Por isso, perguntar pelo que as coisas são é uma das questões centrais da reflexão filosófica. Essa é a discussão que a Escola sem Partido tentou nos tirar e não conseguiram; que os governos sucessivos tentam nos tirar, mas não conseguirão, embora haja retrocessos. Eles perseguem e desqualificam a Filosofia porque a temem!

Então, Alessandra Gurgel, você é uma filósofa, eu sou o primeiro a dar o voto a você, que você entre no grupo da Filosofia – COMUNICAÇÃO APROFFESP, porque você é também uma filósofa. E como graduada em História, terá muitas questões para fazer conosco e enriquecer o debate filosófico, mesmo porque, como afirmaram Marx e Nietzsche, é impossível filosofar sem a contribuição da História! E completo, não há como filosofar sem a contribuição de todas as ciências e saberes!

Forte abraço, me desculpe pelas digressões, pois se tomei meia cerveja e já estou assim, imagine quando tomar duas. Meus amigos, vocês não sabem o que é - eu vou fazer um vídeo e enviar para vocês - o que é olhar aqui para os sabiás da minha janela, eles/as virem aqui pegar o mamão que eu botei na sacada; eles/as vêm aqui, olham para cá, olham para lá e pegam o mamão, comem aqui mesmo ou levam para o galho do abacateiro que fica em frente; é fantástico! Mais ainda é “conversar” com os sabiás, o maior barato, sem contar o resto. Até com eles é possível filosofar, ah! Ah!

Então, minha amiga, Alessandra Gurgel, você tem o meu voto para ser adicionada ao grupo de filósofos/as. Abraço para vocês, tchau!

Chico Gretter: professor de Filosofia, mestrado em Filosofia e História da Educação pela FEUSP, Diretor da APROFFESP.  
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Alessandra Gurgel

Nossa, muito obrigada, me senti lisonjeada por ser chamada de filósofa. Sempre achei a disciplina mais complexa de todas, mãe todas, a matriz de todas, justamente porque pensa o pensamento, pensa o pensar.

Eu uso muitas vezes a maiêutica em sala de aula, Filosofia indispensável. Apesar de eu ser uma historiadora, ter uma formação de historiador é muito pesada, forte. Tô falando no método de investigação científica, de fazer escavação, de escavar, de destrinchar, de pesquisar, de buscar fontes, enfim, todo o método historiográfico.

Mas realmente agora me senti muito elogiada. Também não tenho mestrado e doutorado, não sou mestra, não sou doutora.

 Que bom que alguém encabeçou essa luta. Também sou uma professora de escola pública, e sei que meu currículo ele é manchado em certos pontos, manchado em dois aspectos. Manchado por estar há tantos anos na escola pública, eu sei que isso é como se fosse uma mácula para empresas privadas. Como se fosse uma máquina no currículo. E se jogar meu nome no Google vai aparecer muita coisa da luta da classe trabalhadora.

Meu nome felizmente está gravado na história das lutas da classe trabalhadora. Isso é outra mácula também para o currículo, para as empresas privadas, para os tubarões da educação, são máculas curriculares. Mas são fontes de imenso orgulho para mim, eu posso me orgulhar porque é difícil. Que nem quando esse pessoal fica falando de orgulho hétero, eu dou risada, eu falo ‘Nossa, porque orgulho? Tá difícil ser hétero?’.

A gente tem que ter orgulho daquilo que é difícil de fazer, ser lutador a vida inteira muito difícil.  Então, é possível para a gente se orgulhar. Tenho muito orgulho da minha história da minha trajetória, e não faria diferente disso.

 Mas de fato poder estar ao lado dos filósofos, e sim sei do perigo que representa a filosofia. Aliás, Sócrates pagou com a própria vida, Gramsci também pagou com a própria vida pelos perigos da filosofia, o quão ela é perigosa.

Muito obrigada Chico, imagina quando você tomar as duas latinhas. Eu tenho evitado tomar umas latinhas, porque senão não consigo fazer o que tenho que fazer, não dou conta. Está sendo bem raro, estou espaçando cada vez mais o momento de tomar uma latinha. Tomar uma latinha não porque se eu tomar uma latinha eu morro, tomar o conteúdo da lata, a cerveja.
Grande abraço, Chico.

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Aldo Santos:
Oi, Chico. Tudo bem? É o Aldo, e aí rapaz. Você tá andando muito viu, você tá saindo muito, você se cuida porque esse vírus não brinca em serviço.

 Então, esse negócio de ficar saindo, eu acho que você tá abusando. Mas tudo bem, fazer o quê? A gente fala, fala, mas esse povo não entende.

Mas deixa eu te dizer o seguinte, você lembrou muito bem da questão conceitual sobre o ser  filósofo, portanto, acho que é bom narrar isso e transcrever talvez um dia essa recuperação da história como parte da  nossa honestidade intelectual, da história tanto da filosofia, quanto a história de uma análise geral, da história organizativa das entidades associativas, sindicais ou partidárias.

Sempre é importante fortalecer essa seriedade e honestidade intelectual das coisas. Só para dizer que de fato essa polêmica no início da APROFFESP foi uma polêmica que teve muitos debates e questionamentos, polêmica esta que eu comprei muita briga com muita gente. No primeiro momento nem tanto.

 Mas, de qualquer forma, foi uma grande polêmica com o passar do tempo, porque o critério que na minha cabeça dava consistência aquilo que eu estava defendendo, que era o critério da existência da entidade, que nós não tínhamos o número de professores de filosofia suficiente para compor a nossa primeira diretoria.

Se você fizer uma análise de todas as diretorias, você vai ver que nós temos professores/as  que, via de regra, não são professores graduados em filosofia, todavia,  eu estava convencido que era necessário fazer uma reflexão sobre o papel do que é ser um professor de filosofia e o que é ser um filósofo. E, na minha opinião, esse debate foi uma grande sacada,  pois,  a partir da clareza  conceitual, eu apresentei essa proposta numa reunião, que num primeiro momento ela foi analisada com uma certa dúvida  se a denominação seria  Associação de Filosofia e filósofos, ou professores de filosofia do Estado de São Paulo. Sustentei que era fundamental manter o caráter e o papel do filósofo, até porque tinha pessoas que estavam na militância conosco, ajudando a organizar a luta sindical, e também ajudando na efetivação da própria APROFFESP.

Naquele momento,  independentemente da sua graduação em filosofia ou não,  no meu entendimento todas as pessoas filosofam.  A filosofia não é uma atribuição de quem  passou na academia, uma vez que temos grandes filósofos populares, grandes argumentadores que não passaram pela academia, e são, digamos assim, grandes argumentadores ou mais importantes do que quem passou e estudou ou leu não sei quantos livros, mas não dialogou com a vida concreta do nosso povo.

 Então, essa foi uma  grande polêmica, e paguei um preço caro, pois perdi algumas pessoas amigas que achavam que eu estava errado e que eu não deveria manter essa postura de misturar o filósofo com  o professor de Filosofia.

Mesmo dentro da perspectiva de Gramsci, você tem uma leitura do mundo e o próprio conceito do que é filosofar já foi pautado. Filosofar não se limita a alguém que ficou num quarto, isolado do mundo escrevendo livros e mais livros, este pode ter dado uma contribuição importante a base intelectual, mas a filosofia não pode continuar com essa perspectiva um pouco monástica, ela tem que avançar na perspectiva do que pensou Karl Marx, que num recorte classista, afirmou:cabe aos militantes sindicais,  aos filósofos/as, aos estudantes, professores/as, aos operários “Não só enxergar o mundo e naturaliza-lo como tal, mas sim, transformar o mundo em que  vivemos.”


Então, todas as pessoas que têm uma leitura de mundo, uma leitura transformadora do mundo e se compromete com essa leitura transformadora, na minha opinião, todos são filósofos/as. Portanto, esse debate é um debate importante, uma vez que segurei essa bronca  no inicio  da APROFFESP, depois quando foi feito a proposta de fundação da APROFFIB  também segurei essa mesma bronca, com essa mesma argumentação e essa mesma compreensão.

Eu não posso dizer que um Patativa do Assaré não é um grande filósofo, uma vez que  além das obras que ele tem, ele falou e declamou sobre o mundo concreto do migrante, ele falou do mundo real, ele falou do mundo que não apareceria nos livros didáticos tão somente. Mas, falou da vida de um povo,  tendo como exemplo, algumas das suas poesias, uma verdaeira obra de arte, a expressão do belo. E assim como ele, inúmeros outros.

 Não dá para dizer que  Paulo Freire não é um grande filósofo “Ah, mas ele é da Pedagogia”. Isso é uma visão reducionista.

Não dá para dizer que pessoas que nos ajudaram na formação da APROFFESP, não filosofam. Eu me recordo de imediato da companheira Rita da Subsede  de Salto, da Naiara, do André Sapanos e da Soninha, da atual diretoria, dentre outros/as, que mesmo não tendo graduação em filosofia, eles tem efetivo  compromisso com o anseio de mudança do nosso povo, bem como  com a transformação libertária do nosso mundo. Portanto, são filósofos/as. Esse é um debate que para mim está superado, embora, frequentemente ele tem que ser enfrentado.

 Essa visão de mundo compartimentada, aqui é  área da filosofia, aqui é  área do historiador, aqui é  área do geógrafo, do químico, da matemática,  isso é uma visão, digamos para fins  didático, mas eu acho que o conhecimento filosófico é, digamos assim, um abraço maior que transita por todo o universo do conhecimento planetário, absolutamente atual e fundamental. E todos e todas que transitam nesse universo do conhecimento, filosofam para o bem ou para o mal, a depender da expectativa e da perspectiva que os interesses  sociais  exigem.

Abraço Chico, pare de tomar cerveja, cuide da sua saúde e vamos vencer mais essa batalha, porque temos muito o que fazer, dialogar e o que compor com os filósofos e as filósofas do nosso mundo e da nossa classe.

Forte abraço, e claro, a Alessandra está dentro desse espectro geral que eu mencionei aqui também, portanto, será bem-vinda ao nosso grupo de professores de filosofia e filósofos do Estado de São Paulo e da APROFFIB também e de todos segmentos que ela tenha disposição em participar.
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Transcrição de áudio postado na página da corrente política: Enfrente!

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