A editora Expressão
Popular publicou em junho de 2016 importante livro contendo reflexões
filosóficas das seguintes personalidades: Pepe Mujica, Papa Francisco, Hugo
Chávez e Angela Davis. A apresentação, subscrita por Miguel Enrique Stédile, se
inicia com a definição da palavra Utopia, fazendo referência ao livro de Thomas
More (1478 -1535), onde expõe relatos de uma suposta ilha denominada Utopia. O
autor recorre ao grego para definir a palavra que significa “não lugar”, algo
imaginário que não existe.
O escritor
uruguaio, Eduardo Galeano, afirma que “A utopia está lá no horizonte. Me
aproximo dois passos e ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o
horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para
que serve a utopia? Serve para isso para que eu não deixe de caminhar.” Ou
seja, algo dinâmico que motiva a caminhar sempre à procura de algo novo ou
diferente.
Contraditoriamente,
os testemunhos reunidos nesta coletânea da Expressão Popular não enxergam a
Utopia como “algo distante ou inalcançável.” Neste sentido, estes personagens
são portadores de ações práticas que buscam colocar na ordem do dia a sociedade
almejada, pois a mesma representa anseios concretos e urgentes de mudanças
efetivas em curto, médio e longo prazos.
Estamos falando de
lideranças Americanas que enxergam e fazem leituras a partir dos espoliados do
sistema capitalista, no combate efetivo ao histórico colonizador, e de uma
personagem afro-americana que enfrentou todo tipo de opressão e vem vencendo de
cabeça erguida.
Mujica nasceu em
Montevidéu, em 1935, começando sua militância na juventude, participou da luta
armada sendo preso várias vezes e chegou à presidência do Uruguai para um
mandato de 2010 a 2015, marcado de importantes conquistas. Durante este período
manteve sua vida simples desapegada do capital, recebendo apenas 10% do
salário, doando o restante às entidades sociais. No mandato, desenvolveu ainda
mais sua preocupação latino-americana e pelo direito da pessoa humana.
Hugo Chávez,
nascido em 1954, tem uma vida toda devotada à militância política e a carreira
militar, faz forte chamado aos jovens, dizendo que para transformar o mundo a
juventude precisa, dentre outras coisas, estudar muito e sempre. Em 1998, foi
eleito presidente da Venezuela criando as missões de caráter social, bem como a
integração latino-americana. Dedicou-se à criação da Alternativa Bolivariana
das Américas, forte combate ao imperialismo americano, vindo a falecer em 5 de
março de 2013, vítima de um câncer.
Em 1936, nasce, na
Argentina, Mario Bergoglio que na adolescência faz opção pela vida religiosa.
Foi Arcebispo de Buenos Aires e, em 2013, é escolhido Papa, adotando o nome
Francisco em homenagem a Francisco de Assis. Tem feito de certa forma, o
contraponto à tradição do Vaticano e tem forte compromisso com as causas
sociais e suas transformações.
Angela Davis nasceu
em 1955, no Alabama, participou do partido comunista dos Estados Unidos e foi
dirigente dos Panteras Negras. Sua luta contra o racismo levou-a à prisão em
1971, além de ser crítica contundente do sistema penitenciário, tem se
notabilizado pela defesa dos direitos humanos e civis. Brilhante intelectual e
autora de vários livros, dentre eles, “Mulheres, raça e classe”.
Podemos concluir
que estes personagens são testemunhas de uma nova utopia com dedicação e
compromisso efetivo com as transformações sociais na luta incessante por um
mundo com homens e mulheres novos e humanizados (as).
Os textos
escolhidos pela editora são riquíssimos em reflexões consistentes na urgência
da construção de novos paradigmas socialistas, revolucionários e libertários.
Além de citar
vários tópicos em sua palestra realizada na Universidade Estadual do Rio de
janeiro, em 26 de agosto de 2015, Mujica vai afirmar que “Não há nada mais
lindo do que a vida, mas é preciso defendê-la pela liberdade. E não deixe que
te roubem a liberdade. A liberdade não se vende: a liberdade se ganha, e se
ganha fazendo algo pelos demais, sem mandar a conta. Isso se chama
solidariedade.” E conclui este pensamento afirmando que “sem solidariedade, não
há civilização” (p.13-14).
Em discurso durante
o II Encontro dos Movimentos Populares na Bolívia, em 9 de junho de 2015, com o
tema: queremos uma mudança real das estruturas, num tom de reconhecimento dos
erros da igreja ao longo dos séculos e de autocrítica efetiva, o papa Francisco
afirmou que: “Qualquer ato de envergadura realizado numa parte do planeta
repercute-se no todo em termos econômico, ecológicos, sociais e culturais. Até
o crime e a violência se globalizaram. Por isso, nenhum governo pode atuar à
margem de uma responsabilidade comum. Se queremos realmente uma mudança
positiva, temos de assumir humildemente a nossa interdependência. Mas interação
não é sinônimo de imposição, não é subordinação de uns em função dos interesses
dos outros. O colonialismo, novo e velho, que se reduz os países pobres a meros
fornecedores de matérias-primas e mão de obra barata, gera violência, miséria,
emigrações forçadas e todos os tipos de males que veem juntos...precisamente porque,
ao pôr a periferia em função do centro, nega-lhes o direito a um
desenvolvimento integral. E isso, irmãos e irmãs, é desigualdade, e a
desigualdade gera violência que nenhum recurso policial, militar ou dos
serviços secretos será capar de deter. Digamos, assim, NÃO às e novas formas de
colonialismo. Digamos SIM ao encontro entre povos e culturas. Bem- aventurados
os que trabalham pela Paz” (p.46).
Já, o presidente da
Venezuela, Hugo Chávez, no programa número 268, Alô Presidente, de 26 de
fevereiro de 2007, discorre com entusiasmo sobre vários temas como a
importância da integração através da ALBA e outras importantes iniciativas.
Fala de seu contato com Mario Moronta e da importância da carta pastoral,
objeto de sua reflexão no referido programa, onde, segundo Cháves, todos
venezuelanos deveriam ler.
Nas páginas 65 e 66
do referido livro ( testemunhos da utopia da expressão popular) está descrito
“Quer dizer, há um conjunto de estudiosos, acadêmicos, escritores que agora se
tem dado a tarefa de escrever sobre o socialismo, e isso é parte da construção
do socialismo. Deve-se escrever, deve-se pensar, deve-se analisar, deve-se ler.
Bolívar disse, lá em Angostura, nascemos desiguais, mas logo deve vir o Estado,
através das leis, através da educação, das artes e da indústria para gerar uma
igualdade, chamada de igualdade social, a igualdade política: somente assim
podemos viver e alcançar a maior soma de felicidade possível. Este livro é
interessantíssimo, O caminho do socialismo quântico.
Hugo Chávez inicia
o texto, publicado no livro testemunhos da utopia da expressão popular com o
sugestivo título: O HOMEM NOVO SE CONSTÓI PELA PRÁXIS, e termina o mesmo
citando a belíssima canção de Violeta Parra, Gracias a la vida.
Com o tema “AS
MULHERES NEGRAS NA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA UTOPIA”, Angela Davis participa da
conferência realizada em 13/12/1997, em São Luiz (MA), conforme inteiro teor do
texto publicado no livro testemunhos da utopia da expressão popular. Ela inicia
sua fala agradecendo a Fundação Cultural Palmares pelo convite e trata de
vários temas relacionados à sua militância de vida. Na página 79, destacamos os
seguintes argumentos “As organizações de esquerda têm argumentado dentro de uma
visão marxista e ortodoxa que a classe é a coisa mais importante. Claro que
classe é importante. É preciso compreender que classe informa a raça. Mas raça,
também, informa a classe. E gênero informa a classe. Raça é a maneira como a
classe é vivida. Da mesma forma que gênero é a maneira como a raça é vivida. A
gente precisa refletir bastante para perceber as intersecções entre raça,
classe e gênero, de forma a perceber que entre essas categorias existem
relações que são mútuas e outras que são cruzadas. Ninguém pode assumir a
primazia de uma categoria sobre as outras.”
Finalmente, cada um
dos autores conclui definindo o que consideram efetivamente a Utopia:
“(...) lutem, lutem
pelo melhor, mas entendam qual é a realidade e não se desmoralizem, não abaixem
as bandeiras. Os únicos derrotados que há no mundo são os que pararam de lutar”
afirma Pepe Mujica.
“Atrevo-me a dizer
que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas vossas mãos, na vossa
capacidade de vos organizar e promover alternativas criativas na busca dos ‘3T’
(trabalho, teto e terra), e também na vossa participação como protagonistas nos
grandes processos de mudanças nacionais, regionais e mundiais”, descreve Papa
Francisco.
“(...) isso agora é
práxis revolucionária; não é apenas com uma mente esclarecida, com uma boa
teoria, mas sim na práxis é que se constrói o socialismo, o socialismo do
século XXI”, afirma Hugo Chávez.
“Eu realmente penso
que utopia é quando a gente se move em direções e visões. Utopia no sentido de
que necessitamos de visões para nos inspirar e ir para frente, (...) como
desenvolver novos valores revolucionários e, principalmente, como desatrelar
valores capitalistas de valores democráticos”, define Angela Davis.
Importante leitura
e novas definições sobre o mundo que pretendemos construir e transformar a
partir do recorte classista dos escravizados, dos nativos colonizados e dos
operários e trabalhadores da economia formal e informal explorados pela força
do capital.
A cada dia tenho
mais convicção da necessidade da construção de um partido internacional da
classe trabalhadora para romper com as desigualdades sociais, contra a
segregação racial e a práticas xenofóbicas e contra todo tipo de opressão de
gênero, raça e classe, em bases programáticas, tendo como direção, por exemplo,
pessoas da envergadura dos autores deste livro, dentre outros e outras.
Lutar, unificar e
vencer é preciso!
Aldo Santos -
Presidente da Associação dos Professores de Filosofia e Filósofos do Brasil;
vice-presidente da APROFFESP; membro da executiva e coordenador da Comissão de
Direitos Humanos do PSOL-SP, coordenador da subsede da APEOESP-SBC.
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