Aldo,
Bom dia.
Segue o texto (já publicado em DO, com número) de uma Indicação do
Mandato do Giannazi, em que postulamos a inclusão da discussão da temática de
gênero no currículo das escolas estaduais.
Neste primeiro momento, achamos melhor uma Indicação, pois ela é
mais direta e objetiva e chega ao Secretário de Educação, que é, inclusive
obrigado a responder. No caso dos Projetos de Lei, eles caminham a passo de
tartaruga e mesmo quando estão prontos para pauta podem ficar anos sem serem
pautados para voto em sessões.
Abraço
edson Gabriel
Gab. Dep. Giannazi
INDICAÇÕES
CARLOS GIANNAZI
3369/2013
Indica ao Sr.Governador a inclusão da temática sobre a questão de
gênero como obrigatória no currículo oficial da rede estadual de ensino.
INDICAÇÃO
Nº , de 2013.
Justificativa
Em um mundo onde o patriarcalismo está arraigado, a causa da desigualdade de
gênero foi e é responsável por vitimar de maneira drástica as mulheres.
A violência contra as mulheres é considerada a forma mais antiga e encoberta,
escolhida pelo gênero masculino, de opressão de classe, manifestação de poder e
dominação.
Em todos os casos, que inclui a
prática de manipulação do corpo da mulher submetendo-o a violência, tanto a que
se refere à agressão física (espancamentos, estupros, assassinatos) quanto a
que o coisifica enquanto objeto de consumo, toleradas inclusive pelo Estado,
estão ligados ao fato de que historicamente a mulher foi tomada como
propriedade pelo homem, que exerce plenos direitos sobre ela, para assegurar a
paternidade e a herança (quando se acumula) dos filhos.
Sendo assim, a sociedade patriarcal
prioriza as relações mercantis, bem como a propriedade privada em detrimento
das relações humanas matrimoniais. Diante dessas raízes culturais, a mulher vem
pagando um “preço” altíssimo a se ver submetida a cumprir o papel imposto por
esse sistema, que corresponde a uma hierarquização entre os sexos,
incontestavelmente destacando as relações de poder, ao legitimar a
inferioridade do papel da mulher na produção social a partir do surgimento da
propriedade privada.
Quando o sexo feminino decide romper
com sua posição social subalterna, ou seja, com o modelo de feminilidade
imposto desde a infância que restringe seu comportamento (inclusive sexual) ao
discreto quando em público, e privadamente, voltado à satisfação do seu
namorado ou marido, chegando ao ponto de ser incentivada a sacrificar sua
integridade física e psicológica em nome da manutenção do casamento e da
família, é coagida correndo o risco muitas vezes de sofrer feminicídio. Segundo
Marcela Lagarde feminicídio se refere “às mortes de mulheres causadas e
legitimadas por um sistema patriarcal e misógino” (Misoginia vem do grego e
significa miso – ódio, gene – mulher, ou seja, é um movimento de aversão ao que
é ligado ao feminino). Em resumo, podemos compreender como sendo uma definição
do homicídio de mulheres por razão de gênero.
Segundo Liliana Maiques Alves,
“estima-se que cerca de 2% do PIB de cada país é gasto com a violência de
gênero, enquanto que os investimentos com uma política que dê conta de estancar
tal fenômeno são ínfimos”.
Lamentavelmente, embora tenham
surgido avanços, os instrumentos criados não foram capazes de evitar a morte e
romper com o ciclo de violência a que as mulheres estão submetidas e, não
obstante, o debate sobre feminicídio ainda permanece embrionário na maioria dos
países.
No Brasil, analisando as relações de
poder ligadas a violência, 92 mil mulheres foram assassinadas entre os anos de
1980 e 2010 segundo pesquisa elaborada pelo Instituto Sangari, ou seja, nesses
30 anos ao invés dos óbitos diminuírem cresceram cerca de 217,6%.
Espantosamente, “entre 84 nações avaliadas, nosso país alcançou o ranking de 7º
lugar em taxa de homicídios de mulheres no período entre 2006 e 2010”.
Constatamos que ainda existe um longo caminho a ser percorrido para que a
sociedade brasileira, além de reconhecer efetivamente a desigualdade de gênero,
possa reivindicar aos órgãos públicos e considerar que é urgente a necessidade
de combatê-la. Basta avaliar o caso de Maria da Penha Maia Fernandes que
precisou denunciar a violência doméstica que sofria a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), para que o
Brasil fosse responsabilizado pela tolerância judicial e, mesmo assim foram
quase 20 anos de resistência para que o Estado brasileiro criasse a Lei Maria
da Penha, dando um tratamento específico à violência de gênero.
Sabemos, a Lei Maria da Penha foi
uma importante conquista, porém, está inserida no contexto dos países que se
venderam ao projeto neoliberal recentemente, como é o caso do governo
brasileiro, que insiste em reduzir sua responsabilidade, obedecendo às ordens
nos anos 90 dos organismos internacionais para enxugar gastos. Com as mudanças
estimuladas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial
(Bird), o Estado passou a ter sua atuação reduzida, especialmente em relação
aos investimentos públicos nas áreas sociais. Essa política adotada por esses
governos supõe um desmantelamento do aparato do Estado no que se refere às
políticas assistenciais e de igualdade de oportunidades para impulsionar o
investimento no setor privado, obviamente indo de encontro aos interesses do capital.
Diante disso, somente no ano de 2011
foram cortados R$ 5,4 milhões para o programa de prevenção e enfrentamento da
violência contra a mulher, segundo Alves. O corte de verbas, a falta de
acolhimento das vítimas diante da necessidade de medidas protetivas, como a de
separação de corpos quando a vida da mulher está em risco (chega a demorar até
seis meses, conforme reconhece a própria ex-ministra, Iriny Lopes, da
Secretaria de Políticas para Mulheres – SPM, citado no artigo de Tatiana
Merlino), continuam sendo limitações que impedem garantir a integridade física
e psicológica das mulheres.
Simone de Beauvoir “afirma ser
necessário estudar a forma pela qual a mulher realiza o aprendizado de sua
condição, como ela a vivencia, qual é o universo ao qual está circunscrita”,
então, não exclusivamente, mas é através da educação que vamos avançar
substancialmente numa perspectiva de conquistar a igualdade em todos os níveis,
seja no mundo externo e ou no âmbito doméstico para “que as diferenças entre os
sexos sejam de complementariedade e não de dominação” (Branca Moreira Alves e
Jacqueline Pitanguy, 1981).
A educação é um dos poucos
instrumentos capaz de não camuflar as raízes culturais da opressão histórica da
mulher, de desnaturalizar as relações de poder entre os sexos e, sobretudo a
sua posição social subalterna. A desigualdade, bem como a violência de gênero
sendo fruto de um processo histórico, ou seja, “sendo História, e não natureza,
é passível de transformação”, como bem explicitou Alves e Pitanguy.
Não podemos continuar permitindo que
a questão da mulher seja relegada ao segundo plano apenas condenando as
práticas da opressão e da violência, temos que avançar para uma educação não
sexista, pois esta corrobora perpetrando as diferenças, cravando desigualdades
entre os sexos, capazes de gerar injustiças quando não acolhe desde muito cedo
as crianças como elas são e sim como a sociedade determina culturalmente, por
exemplo, ao disseminar ideias discrepantes como homem é cérebro, razão e mulher
é coração, emoção.
A desigualdade de gênero deve ser
combatida através da adoção de uma política de discussão sobre o assunto no
interior das escolas, com ações direcionadas para mostrar o caráter coletivo
dos crimes de agressão cometidos, evitar seu esquecimento, sua banalização, mas
em especial garantir a desconstrução dessas relações como uma forma de busca
concreta da igualdade.
Como explicitou Tânia Pinafi, “(...)
a conscientização da natureza histórica da desigualdade de gênero precisa ser
trabalhada desde o início do ensino escolar, já que a desigualdade de gênero
somada à ordem patriarcal vigente são alguns dos ingredientes que, unidos ao
sentimento de culpa inculcado historicamente na psique das mulheres, contribuem
para a perpetuação das relações desiguais de poder que acabam por acarretar em
violência”.
(...) Então, além das políticas
públicas criadas para a condenação e combate a violência contra a mulher, como
a Lei Maria da Penha, nosso desafio é buscar a ampliação dos espaços de
discussão para combater a desigualdade de gênero permitindo que as mulheres
saiam da situação de vitimização e, assim reparar os danos causados, durante
séculos, com o modelo de anulação da educação da mulher para o mundo externo
(...).
Os programas de combate à violência
devem ser institucionalizados em todo o país, mas não somente no campo da
condenação quando esta ocorre e, sim da educação que tem um papel fundamental
na transformação da sociedade, segundo Paulo Freire “se a educação sozinha não
pode transformar a sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda”.
No Distrito Federal, o Conselho de
Educação reformulou e atualizou as normas para o sistema de ensino avançando
para uma prática inédita ao inserir como obrigatoriedade no currículo do ensino
fundamental e médio a discussão sobre os direitos da mulher e o recorte de
gênero:
“Pela primeira vez no Brasil,
escolas públicas e particulares debaterão o tema com os alunos em sala de aula.
Com maior número de denúncias contra a mulher, Brasília incluirá o tema da
violência e dos direitos no currículo escolar. O direito das mulheres será tema
discutido em salas de aula do Distrito Federal a partir de 2013. Assuntos como
o preconceito e a violência envolvendo mulheres também serão discutidos em
escolas públicas e particulares. A resolução que trata do tema foi publicada no
Diário Oficial do Distrito Federal de 18 de outubro, após aprovação do Conselho
de Educação do DF. Segundo o Conselho, a iniciativa é inédita no País. Para
disseminar a ideia, professores das escolas públicas serão qualificados até o
fim deste ano para transmitir as informações aos alunos de maneira adequada.
Disciplinas como português, sociologia e história incluirão a questão da mulher
no currículo escolar. O presidente do conselho, Nilton Alves Ferreira, informou
que o órgão considerou o fato de Brasília ter o maior número de denúncias de
maus tratos a mulheres. “A gente acredita que a criança, o adolescente, ao
aprender na escola a respeitar a mulher, quando se tornar um adulto não irá
agredi-la”, disse Ferreira. A historiadora e doutora em educação Renísia
Cristina Felice diz que o assunto já é discutido em algumas escolas, mas que a
resolução é positiva porque obriga que todas façam o mesmo. ‘A educação é o
espaço que não só implementa políticas, mas que reproduz alguns valores da
sociedade. Mas você constrói outros valores, e a educação é espaço para que
isso aconteça’, diz a especialista.”
Não diferente do Distrito Federal, o
estado de São Paulo, viu crescer 40% os casos de violência contra a mulher
entre os anos de 2011 e 2012, segundo levantamento do Ministério Público
Estadual.
Incluir a temática sobre a questão
de gênero como obrigatoriedade no currículo oficial da Rede de Ensino do estado
de São Paulo, a exemplo do que ocorreu no Distrito Federal e com a “História e
Cultura Afro-Brasileira”, para que a sociedade ao reconhecer que a desigualdade
de gênero existe possa desconstruí-la, avançando no debate e combater toda
forma de opressão e violência contra a mulher. Os seguintes objetivos, a seguir
descritos, devem nortear a decisão de incluir essa temática no currículo
escolar:
● Analisar o processo
histórico de anulação da mulher na produção social;
● Entender que a causa da opressão
histórica da mulher foi e é responsável por vitimar de maneira drástica as
mulheres;
● Desnaturalizar as
relações de poder entre os sexos;
● Constatar que os altos índices dos
casos de lesões corporais (como abuso físico e verbal, estupro, tortura,
escravidão e assédio sexual), agressões psicológicas, bem como os feminicídios
sofridos por mulheres são causados e legitimados por um sistema patriarcal e
misógino;
● Avançar na reparação de danos, não
somente com uma legislação que pune, mas com a implantação de um programa
efetivo de educação pública na perspectiva de fazer um resgate histórico da
prática de opressão milenar a que as mulheres estão submetidas;
● Reconhecer a necessidade da
emancipação da mulher e promover uma nova sociedade em que possamos repaginar a
história da humanidade enquanto produtores sociais num esforço voltado para
prevalecer o respeito pela igualdade de gênero e imprimir definitivamente essa
condição como uma característica intrínseca na essência da natureza humana;
● Compreender que
apesar das mulheres serem 51,3% da população brasileira, terem conquistado o
mercado de trabalho, estarem ocupando assentos nas universidades e terem
implementado uma lei que pune a violência doméstica não alcançaram a igualdade
de gênero;
● Reforçar que o Dia Internacional
da Mulher não é uma data comemorativa e sim um dia de mobilização dedicado aos
ideais de liberdade, igualdade e combate a violência de gênero;
● Elaborar conhecimentos
significativos para trazer uma profunda reflexão e mudança de comportamentos
sociais responsáveis pela violência gerada contra as mulheres no mundo inteiro.
A
proposta ora encaminhada através desta INDICAÇÃO foi apresentada e sustentada
pelos seguintes educadores: Nayara Alves Navarro (Presidente do PSOL de São
Bernardo do Campo e vice-coordenadora da APEOESP subsede de São Bernardo do
Campo), Aldo Santos (Presidente da APROFFESP e coordenador da APEOESP subsede
de São Bernardo do Campo), André Sapanos (Presidente do PSOL de Mauá), Alberto
Ticianelli (Presidente do PSOL de Ribeirão Pires) e Diógenes Batista de Freitas
(Membro do Diretório do PSOL de São Bernardo do Campo e conselheiro estadual da
APEOESP subsede de São Bernardo do Campo)
Sala das Sessões, em setembro de
2013
a) Carlos Giannazi
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