13 de dezembro de 2013 14:24
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Precisamos definir qual é, realmente, a função da escola pública na sociedade.
Precisamos decidir se aprender a ler, escrever e fazer operações matemáticas
básicas é importante para as novas gerações e se ensiná-las continua a ser
atribuições da escola. Afinal, há filósofos da educação que afirmam que isso é
coisa do passado: “Pra quê escrever a lápis se isso não se usa mais?” “Pra quê
saber ortografia, gramática e sintaxe, se hoje contamos com o corretor do
Word?” “Pra quê aprender inglês se podemos copiar e colar tudo no tradutor do
Google?” “Por que submeter a juventude à prática arcaica de aprender e cantar
os hinos pátrios se isso não é significativo para eles?” “Pra que saber nomes
de estados e capitais do Brasil, ou, pior, de países do mundo afora, se toda
essa informação está apenas a um click?” “Pra quê aprender a somar e gastar os
neurônios de nossas criancinhas se elas têm à sua disposição não só
calculadoras, mas tablets, laptops e tudo o mais?!”
Hoje o discurso da moda é o da escola “significativa” e “aberta ao cotidiano
globalizado e informatizado”. Contudo, o resultado desses discursos
“significativos”, aplicados na educação brasileira desde há algumas décadas,
pode ser avaliado não só pela queda dos níveis de desempenho das universidades
públicas brasileiras, como pelo número de analfabetos funcionais da população,
além da alarmante escassez de mão de obra qualificada e responsável disponível
no mercado de trabalho.
Na prática, esse discurso da “escola significativa” desautorizou a escola
pública a ensinar e preparar as novas gerações de brasileiros para as
exigências da vida. Criou legiões de jovens que não têm o hábito de estudar, de
ler, que não têm disciplina e autocontrole porque a escola não pode incutir
neles esse comportamento. O mais engraçado é que os educadores de gabinete que
passaram suas vidas difundindo esses discursos, mantiveram seus filhos em
escolas particulares, conteudistas e tradicionais...
Antes de ser “significativa”, a vida em sociedade é exigente! A vida civilizada
e segura exige que saibamos como nos comportar. Exige que tenhamos respeito e
consideração para com os outros. Que saibamos ouvir. Que respeitemos nossos
símbolos pátrios e que saibamos o seu significado histórico. Que honremos as
gerações que vieram antes de nós, que trabalharam e lutaram para dispormos de
tudo o que temos hoje. Exige que consigamos escutar um professor falar; que
tenhamos consideração e prestemos atenção. Que, eventualmente, aceitemos um
“não” ou um “agora não” como resposta. Que consigamos ter autocontrole e fazer
silêncio nos diversos ambientes sociais. Que possamos adiar nossas recompensas
e satisfações; que não sejamos tão egoístas e imediatistas. Exige que tenhamos
disciplina e foco. O preço de se permitir que as novas gerações cresçam tão
descompromissadas, tão “livres, leves e soltas”, sem esse aprendizado
disciplinar, é criarmos uma sociedade incompetente, irresponsável, negligente,
desorganizada e, possivelmente, corrupta.
Se a escola não pode mais disciplinar nem ensinar os conhecimentos construídos
e acumulados historicamente pela humanidade – porque isso é ser
tradicionalmente “conteudista”, ou porque todo esse conhecimento está
disponível aos jovens por meio da tecnologia (mas será que eles sabem buscá-lo
ou se interessam em fazê-lo?) – então, que acabemos de vez com essa instituição
social. De que serve ela? Que deleguemos a tarefa de formar as novas gerações
de brasileiros aos próprios pais ou às novas tecnologias, ou aos filósofos da
educação. Sim, porque dominar aparelhos tecnológicos, acessar conteúdos,
copiá-los e colá-los – isso os jovens aprendem sozinhos. Além, claro, de usar a
tecnologia para fins “lúdicos”, sexuais e de interação interpessoal. Realmente
não precisam da escola para isso. Além disso, quem mais, além dos pais e das
tecnologias, pode tornar a aprendizagem dos jovens mais “impregnadas de
significado”? Decidamos então: o que cabe à escola fazer? Apenas cuidar dos
alunos, dar merenda, tomar conta deles e garantir-lhes um ambiente seguro,
enquanto seus pais trabalham? A esse respeito, ver artigo de Marc Prensky, na
Revista Galileu, n.268, Nov/2013, pag. 90.
Se for assim, avisem-nos a nós, professores! Pois nós ainda estamos querendo
dar aulas.... Nós ainda desejamos ensinar, e ser o que somos: professores! E
não cuidadores de alunos! Nem inspetores de sala. Nem educadores. Educadores
são os pais e familiares. Professor é professor.
BENEDETTI, K. S. A dignidade ultrajada: ser professor do ensino público nos
dias de hoje. RJ: Barra Livros, 2013.
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