terça-feira, 29 de abril de 2014

Ricardo Antunes: “O novo proletariado é a base dos protestos da juventude”

Ricardo Antunes: “O novo proletariado é a base dos protestos da juventude”
Quando o AND buscou um encontro com o Prof. Ricardo Antunes a nossa preocupação maior era discutir sobre os baixos índices de desemprego divulgados pelo gerenciamento de Dilma Rousseff. A conversa, entretanto, foi desenvolvendo-se de modo a abranger vários aspectos sobre as relações de trabalho até chegar nos protestos da juventude desde junho de 2013. Ricardo Antunes nos recebeu em sua sala no Departamento de Sociologia da Unicamp, em Campinas, São Paulo.

Fausto Arrud
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AND – Como você vê esta alardeada divulgação, pelo gerenciamento de Dilma Rousseff, sobre os baixos índices de desemprego no Brasil? E como podemos avaliar a informalidade no país?
Ricardo Antunes - Nunca tomo estes dados como definitivos. Para mim são só o ponto de partida. Em Campinas, por exemplo, a taxa de desemprego alcança 15%. A metodologia de medição da taxa de desemprego utilizada pelo IBGE merece uma profunda revisão no sentido de não esconder a realidade. Procurar emprego dá trabalho e custa dinheiro, muitos caíram nos bolsões de miséria e outros por desalento já não procuram mais emprego. O método e o padrão atuais de pesquisa não atingem esta ponderável parcela da população.
A informalidade no Brasil atinge níveis alarmantes como se pode constatar com o emprego doméstico, com cerca de sete milhões de trabalhadoras, das quais 70% estão na informalidade. Da mesma forma vamos encontrar os imigrantes submetidos a relações de semiescravidão. Para uma população economicamente ativa (PEA) de cerca de cem milhões de trabalhadores, temos cerca de 30 milhões com carteira assinada e mais ou menos 15 milhões de terceirizados. E o que ocorre com outros 55 milhões? Por aí se pode deduzir as limitações do método e dos padrões na aferição do desemprego no Brasil.
O capitalismo exige empregos flexíveis e virtuais, então, o método de avaliação é também virtual. As formas atuais de valorização do capital trazem embutidos novos modos de geração da mais valia (quer sob a forma absoluta e/ou relativa), ao mesmo tempo em que expulsam da produção uma infinidade de trabalhos que se tornam sobrantes, descartáveis e cuja função passa a ser a de expandir o bolsão de desempregados, deprimindo ainda mais a remuneração da força de trabalho, pela via da retração do valor necessário à sobrevivência dos trabalhadores e das trabalhadoras.
Em plena eclosão da mais recente crise global, este quadro se amplia ainda mais e nos faz presenciar uma corrosão ainda maior do trabalho contratado e regulamentado, de que são exemplos os trabalhos terceirizados (com sua enorme gama e variedade), tais como o “falso cooperativismo”, o “empreendedorismo”, o “trabalho voluntário”, que é de fato compulsório, pois quem não o faz não mais encontra emprego, etc.
A qualificação no Brasil tem um caráter ideológico já que o capital para deprimir o emprego coloca no trabalhador a responsabilidade pelo desemprego, acusando-o de não ter se qualificado para o trabalho.
AND - Temos notado que os protestos engrossam após as 18 horas com a adesão de uma massa de jovens saídos do expediente que se incorpora as manifestações. Você acha que os protestos têm algo a ver com este quadro do emprego precarizado?
Ricardo Antunes - As crises do capitalismo tendem a se aprofundar cada vez mais. A crise de 2008 foi mais profunda que a de 1973 e teve o seu epicentro no norte do planeta. Na Europa, por exemplo, a desregulamentação da legislação do trabalho com flexibilização e terceirização, os jovens de 18 a 23 anos estão sem perspectiva de emprego e inclusive se desestimulam de estudar, pois seus pais com curso superior e até pós-graduados estão desempregados ou em empregos precarizados. O proletariado europeu é jovem e precarizado. Sua maior parte está trabalhando na área de serviços.
No Brasil, com a mercadorização dos serviços públicos como educação, saúde, transporte e lazer, a juventude que compõe o proletariado de serviço é extremamente sacrificada. Ela mora longe do trabalho e leva cerca de seis horas de ida e volta. Ganha pouco num trabalho precarizado, nos milhões de postos de trabalho em callcenter e tem que pagar uma faculdade estragada que não irá lhe acrescentar muita coisa em termo de qualificação. A grande massa é superexplorada e submetida a uma rotatividade extremamente elevada, principalmente entre os trabalhadores da limpeza que em muitas situações não podem nem conversar entre si. Esta juventude não se sente representada nem na estrutura sindical nem nos partidos de turno da esquerda.
Este fenômeno ocorre tanto no Brasil como em outros países gerando os indignados que levantam os protestos de rua. Esse novo proletariado é a base social dos protestos de rua que vêm ocorrendo no Brasil desde junho do ano passado.
AND - Os gerenciamentos petistas têm contribuído para a superexploração imperialista em nosso país, inclusive, promovendo a corporativização da sociedade e transformando o movimento sindical e outros movimentos sociais em repartições desse velho Estado. Como você vê esta situação?
Ricardo Antunes - O surgimento das conexões em rede desconcentram a produção para desconcentrar o operariado. A produção a partir de uma massa de operários é possibilidade concreta de confusão. A China, por exemplo, a qual adota ainda sistemas de produção com grande uso de força de trabalho é onde mais ocorrem greves nos dias de hoje.
O Brasil está submetido a esta tendência mundial do capitalismo para a superexploração. O governo do PT entrou em sintonia com essa tendência, aprofundando a desnacionalização e a privatização que, por sua vez, provocam uma verdadeira epidemia de terceirização. O PT perdeu base social, principalmente, no funcionalismo público e buscou compensá-la com o incremento do bolsa-família. O que se vê é que o governo do PT não é um governo de esquerda. O Estado foi fatiado para compor a sua base de sustentação. Ela é ampla e instável ao mesmo tempo, pois a presidente Dilma Rousseff tem uma tremenda insensibilidade para negociação e igual inexperiência no trato da questão social. Por outro lado o sindicalismo veio se degradando desde quando, ainda no governo Collor, a CUT aceitou participar das câmaras setoriais e colocou seus sindicatos como participes dos fundos de pensão, voltando-se para um sindicalismo negocial de Estado expandido a todas as centrais cooptadas pelo governo.
Este sindicalismo está em crise, pois ele ainda está montado segundo o modelo taylorista e fordista de produção, deixando ao desabrigo esta imensa parcela do proletariado jogada no trabalho precarizado.
Ricardo Antunes é professor titular de sociologia do trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador da coleção Mundo do Trabalho, da Boitempo. Antunes tem publicada extensa obra sobre o tema “trabalho” e é considerado um dos maiores nomes da área na América Latina. Além de Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II, organizou o volume I do mesmo título em 2007 e Infoproletários: a degradação real do trabalho virtual (2009), ambos publicados pela Boitempo. É autor, entre outros, de Os sentidos do trabalho (Boitempo, 1999)e O continente do labor (Boitempo, 2011). Na década de 90 doséculo passado, contrariando várias correntes da sociologia europeia e estadunidense que preconizavam o fim do trabalho, ele lançou seu livro “Adeus ao trabalho?” (já na 14ª edição) reafirmando a centralidade do trabalho nas relações sociais de produção e apontando para as novas formas de exploração da força de trabalho e, portanto, da extração da mais valia. Hoje seus livros são traduzidos para o inglês, francês, espanhol, italiano e alemão, influenciando o pensamento sociológico do mundo do trabalho na Europa e Estados Unidos.

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Ricardo Alvarez

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