Escolas empobrecidas: sem História nem GeografiaAfinal, para que a escola existe? Para formar adequadamente as gerações
futuras ou para preparar os estudantes para avaliações externas como Enem,
Saresp, Prova Brasil, Pisa etc.?
A que se destinariam os conhecimentos? Deveriam eles compor um mosaico
para criar curiosidades, desejos e perguntas nos estudantes ou só serviriam
para produzir informações para uso em testes de avaliação?
Nós, pesquisadoras de educação, ficamos mais uma vez perplexas ao nos
depararmos com a nova proposta curricular do ensino público do Estado de São
Paulo. Para bem aprender o Português e a Matemática, sugere-se excluir os
conhecimentos de História, Geografia e Ciências do 1º ao 3º ano e manter 10%
dessas disciplinas no 4º e 5º anos do currículo básico. Por essa nova proposta,
ficou assim decretado: doravante, por meio desse novo currículo básico, as
crianças de escolas públicas estaduais só receberão, até o 3º ano, aulas de
Português e Matemática! Partindo do pressuposto evidentemente errôneo de que um
conhecimento atrapalha o outro, as aulas de História, Geografia e Ciências
serão eliminadas do currículo desses estudantes.
Como consequência dessa política, nas escolas de tempo integral, o aluno
terá aulas em um período e, no outro, oficinas temáticas das diferentes áreas
do conhecimento, algumas obrigatórias e outras eletivas escolhidas de acordo
com o projeto
pedagógico da escola.
À primeira vista, esse currículo está “rico” e diversificado; no
entanto, pelo olhar sério e comprometido, ele estará fatalmente fragmentado.
Primeiramente porque verificamos que as oficinas obrigatórias também não
objetivam, do mesmo modo, um trabalho com História, Ciências e Geografia; pelo
contrário, voltam-se novamente para a Matemática e para o Português.
Além disso, como trabalhar a oficina optativa, por exemplo, de Saúde e Qualidade
de Vida sem os fundamentos das ciências?
Intriga a essa altura saber: por que oficinas e não estudo contínuo? O que se
ganha com isso? Vários equívocos nos saltam aos olhos! O primeiro deles é considerar
que o conhecimento de algumas áreas é acessório, ocupa espaço e ainda impede o
bom aprendizado do Português e da Matemática!
As concepções de escrita e leitura, por exemplo, acabariam por ser responsabilidade
exclusiva de uma única disciplina do currículo. Não seria essa uma visão muito
simplista de aprendizagem, pois parece supor que o estudante não desenvolve
processos de escrita e leitura também em outras disciplinas?
Outro equívoco é a suposição de que para estudantes de escola pública o
mínimo basta! Para que sofisticar com lições da história, da natureza e do
lugar do nosso povo? Conhecimento científico seria enfim útil para quê?
A aprendizagem não ocorre por partes. O aprendizado é todo ele integrado
e sistêmico. Um bom ensino de História expande o pensamento e as referências e
o estudante, assim, tem condições para perceber relações de fatos, tempo e
espaço, tão necessárias à aprendizagem matemática.
A Geografia leva nossos pensamentos para viajar em outros espaços;
possibilita compreender a diversidade das sociedades, conhecer
e apreciar a natureza, aprender a observar e a estabelecer conexões entre
lugares e culturas. Mergulhados, assim, nesses novos referenciais, os
estudantes podem compreender melhor a própria realidade e encarar suas
circunstâncias com pleno envolvimento. Isso certamente repercutirá na sua vida
e no seu aprendizado, com consequência, por exemplo, em estudos simbólicos e
gráficos.
Como deixar de aproveitar a natural curiosidade das crianças, seu
espírito exploratório, suas perguntas intrigantes acerca dos fenômenos da
natureza e, dessa forma, tecer as bases de um fundamental espírito científico,
que por certo ajudará a compreender a Matemática e a recriar o Português?
Será que a estratégia de oficinas, ao invés do estudo contínuo, dará
conta de captar tal complexidade e também de tornar possível um processo de
ensino-aprendizagem que seja capaz de construir os conhecimentos de Geografia,
História e Ciências que ficaram tão diminuídos no currículo básico?
De nosso ponto de vista entendemos que a questão não é separar para
empobrecer. O que vale é democratizar as possibilidades de ser e de estar
melhor no mundo. E para que isso aconteça precisamos da integração total de
saberes e práticas.
As crianças de classe social mais favorecida possuem, antes já de chegar
à escola, uma gama infindável de vivências. As crianças de classe popular, em
sua maioria, chegam já à escola destituídas desse capital cultural. Possuem
outras ricas e profícuas experiências que, nem sempre, são valorizadas e
transformadas na escola. No entanto, o importante é trabalhar pedagogicamente
com essas experiências de modo a transformá-las em vivências socialmente
válidas. Pensamos que o fundamental é ampliar as oportunidades ao invés de
restringi-las; para tanto, a experiência com as diferentes áreas do
conhecimento é essencial.
Preocupa-nos o risco de a função da escola, para as crianças dos anos
iniciais, limitar-se, a partir da reforma proposta, ao ensino das habilidades
mínimas de leitura e escrita e de cálculo, retirando-se as cores e os sabores
das descobertas que se fazem no contínuo do seu desenvolvimento. Preocupa-nos
que esse projeto ganhe força e se concretize em outros níveis de ensino e em
outros Estados. Preocupa-nos que as oficinas contribuam mais para o
esvaziamento dos conteúdos do que para a construção de conhecimentos. O que
será da nossa escola pública, então? Um reducionismo dos conhecimentos, um
estreitamento das concepções de ensino-aprendizagem? O objetivo final será a
quantificação em detrimento da qualidade? E, se atingir índices é o foco dos
processos de ensino-aprendizagem, o que isso realmente significa? Qual é a
verdadeira motivação da política educacional implícita nesse movimento?
As autoras Maria Amélia Santoro Franco (Unisantos), Valéria Belletati (Instituto Federal de São Paulo), Cristina Pedroso (USP/FFCLRP) são
doutoras em Educação e Ligia Paula Couto (Universidade
Estadual de Ponta Grossa) é doutoranda em Educação. Todas são pesquisadoras do
Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação do Educador (GEPEFE) – FEUSP.
Assunto
|
Visualizações
|
Data - Hora
|
Nº do texto
|
Postagem
|
||||
Educação
|
93
|
19/02/2013 - 08h
|
14847
|
Ricardo Alvarez
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário