"Passagens de Tempo", novo livro do italiano, investiga o tempo do corpo, aliando os saberes da medicina e das artes
LUIZ FELIPE PONDÉ
COLUNISTA DA FOLHA
COLUNISTA DA FOLHA
09/06/2012
O filósofo italiano Mauro Maldonato, 51, autor do livro "Passagens de Tempo", é um psiquiatra sui generis.
Partindo de rede de referências que transita por ciências humanas, teologia e literatura, ele busca situar a terapêutica do homem contemporâneo numa síntese entre natureza, cultura e história, fundando um campo de intuições que vai além da oposição entre matéria e espírito.
Entretanto, sua síntese não é um mar de superficialidades, mas uma trama de conceitos filosóficos que exige do leitor repertório e atenção.
Folha - Como viver entre o tempo biológico, o social, o psicológico e o cosmológico sem experimentar tal confluência como mais uma demanda à nossa consciência moderna já saturada?
Mauro Maldonato - Não acredito ser apocalíptico quando digo que o mal-estar descrito por Freud se transformou na civilização do mal-estar. A tecnociência está cancelando o equilíbrio entre o tempo natural e o tempo humano. Para realizar seu poder sobre o mundo, anulou a distância entre meios e fins.
Estamos em plena realização do projeto biopolítico da tirania sobre o tempo e sobre o corpo humano.
Desde a origem da civilização ocidental, o corpo tem sido considerado pela ciência como organismo a ser cuidado; da economia, como força de trabalho a ser empregada; da religião, como carne a ser redimida.
Hoje, não se trata de emancipar o corpo das restrições impostas, mas de restituí-lo a sua inocência original.
Mauro Maldonato - Não acredito ser apocalíptico quando digo que o mal-estar descrito por Freud se transformou na civilização do mal-estar. A tecnociência está cancelando o equilíbrio entre o tempo natural e o tempo humano. Para realizar seu poder sobre o mundo, anulou a distância entre meios e fins.
Estamos em plena realização do projeto biopolítico da tirania sobre o tempo e sobre o corpo humano.
Desde a origem da civilização ocidental, o corpo tem sido considerado pela ciência como organismo a ser cuidado; da economia, como força de trabalho a ser empregada; da religião, como carne a ser redimida.
Hoje, não se trata de emancipar o corpo das restrições impostas, mas de restituí-lo a sua inocência original.
Um dos tempos em que vivemos é o da morte, o nada do humano. O senhor afirma que há uma potência do nada. Qual seria esta potência?
O niilismo, mais inquietante e impotente entre todos os hóspedes, foi imposto a nossa época nas suas diferentes declinações: da metáfora perfeita do encontro com o nada que clinicamente chamamos de ataque de pânico às potentes tendências da tecnociência. Temos necessidade de compreender as razões disso e de encontrar soluções. Um pensamento forte atravessa até o fundo da noite do niilismo e encontra um caminho para superá-lo.
O niilismo, mais inquietante e impotente entre todos os hóspedes, foi imposto a nossa época nas suas diferentes declinações: da metáfora perfeita do encontro com o nada que clinicamente chamamos de ataque de pânico às potentes tendências da tecnociência. Temos necessidade de compreender as razões disso e de encontrar soluções. Um pensamento forte atravessa até o fundo da noite do niilismo e encontra um caminho para superá-lo.
O senhor parece crer num diálogo rico entre religiões. Não há conflitos insuperáveis entre algumas crenças historicamente constituídas?
O diálogo entre as religiões não pode ser uma simples comparação de hierarquias de valores. Um diálogo é autêntico quando acolhemos o outro, sem anular as diferenças. Creio que seja este, hoje, o desafio para todas as grandes religiões.
O diálogo entre as religiões não pode ser uma simples comparação de hierarquias de valores. Um diálogo é autêntico quando acolhemos o outro, sem anular as diferenças. Creio que seja este, hoje, o desafio para todas as grandes religiões.
O senhor crê numa espiritualidade do ateísmo, como filósofos como Luc Ferry?
Ferry identifica o pensar com a pesquisa de uma salvação sem Deus. É uma instância presente em todas as grandes filosofias.
Estamos ainda com esta ideia fixa. O ateísmo diz que, além da nossa vida mundana, não precisamos nos importar com nada. É necessário nos opormos a tudo isso.
O nosso dever é lutar duramente, sem nos rendermos ao nada. Talvez tentando mudar os valores, com a coragem de quem constrói dia após dia a sua existência terrena.
Ferry identifica o pensar com a pesquisa de uma salvação sem Deus. É uma instância presente em todas as grandes filosofias.
Estamos ainda com esta ideia fixa. O ateísmo diz que, além da nossa vida mundana, não precisamos nos importar com nada. É necessário nos opormos a tudo isso.
O nosso dever é lutar duramente, sem nos rendermos ao nada. Talvez tentando mudar os valores, com a coragem de quem constrói dia após dia a sua existência terrena.
Uma das riquezas de sua obra é o diálogo entre a psiquiatria e humanidades. O senhor vê esse dialogo como um diferencial na formação de um "terapeuta da alma humana"?
A psiquiatria é uma ciência que estuda não apenas os sintoma psíquicos do homem neuronal, mas o homem na sua capacidade (e também na sua incapacidade) de viver na reciprocidade.
Por isso se faz necessário rever em novas perspectivas argumentos até o presente muito frequentemente omissos ou apenas esboçados: a inquietação, a solidão, a coragem da espera, a esperança, a nostalgia, a tendência transcendente.
Os espaços de pesquisa que se abrem nos indicam um percurso sensível à ética do tornar-se humano.
A psiquiatria é uma ciência que estuda não apenas os sintoma psíquicos do homem neuronal, mas o homem na sua capacidade (e também na sua incapacidade) de viver na reciprocidade.
Por isso se faz necessário rever em novas perspectivas argumentos até o presente muito frequentemente omissos ou apenas esboçados: a inquietação, a solidão, a coragem da espera, a esperança, a nostalgia, a tendência transcendente.
Os espaços de pesquisa que se abrem nos indicam um percurso sensível à ética do tornar-se humano.
PASSAGENS DE TEMPO
AUTOR Mauro Maldonato
EDITORA Edições SescSP
QUANTO R$ 40 (192 págs.)
AUTOR Mauro Maldonato
EDITORA Edições SescSP
QUANTO R$ 40 (192 págs.)
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