sábado, 26 de outubro de 2013

ENSINO DE FILOSOFIA E LIBERTAÇÃO:EXPOSIÇÃO REALIZADA NO 1° CONGRESSO BRASILEIRO DE FILOSOFIA DA LIBERTAÇÃO.

Ensino de Filosofia e Libertação.

Exposição no I° Congresso Brasileiro de Filosofia da Libertação e I Simpósio de Professores de Filosofia do Estado de São Paulo, realizado na Fapcom, nos dias 4, 5,6 de setembro de 2013.
No livro, Marilena Chauí afirma que a filosofia “Está presente na vida de todos nós. No mundo ocidental, costuma-se dizer que remonta aos gregos. De uma perspectiva mais ampla, podemos dizer que ela está presente na vida do ser humano desde um tempo imemorial, anterior às primeiras civilizações. Dos primórdios do Homo sapiens até as primeiras organizações humanas, cada atitude individual ou coletiva, cada fenômeno físico ou avanço técnico, cada nova percepção dos meandros da alma humana foi entremeada por ações passíveis de análise filosófica”.(do livro “Iniciação à filosofia”, de Marilena Chauí, primeira edição de 2011, publicado pela Editora Ática, na pagina três)
Essa elaboração supera a cronologia sobre a existência da filosofia que hoje está centrada no mundo grego, a partir da século VI antes de Cristo.
Como parte desse cenário do processo da evolução, podemos observar a partir do filme Guerra do fogo que, segundo os autores desta importante película, remonta há aproximadamente 80 mil anos, onde dois grupos de Hominídeos apresentam características diferenciadas em relação ao processo evolutivo. Para um desses grupos o fogo era algo muito misterioso, sobrenatural, pois não sabia como preservar nem dominava qualquer técnica para compreender aquele “mistério”. O outro grupo dominava a técnica de fazer o fogo e estava mais evoluído em relação aos demais. Noah, Gaw e Amouhar são levados a entrar em contato com os outros que tinham o conhecimento e a técnica, devendo trazer para a tribo esse “novo conhecimento”.
Durante a viagem, encontram um grupo de canibais e resgatam uma bela jovem, Ika, que vai orientar e despertar novos sentimentos, além de possibilitar e protagonizar a passagem do conhecimento da técnica e domínio sobre como provocar uma fagulha, a partir do atrito, provocando assim, uma das maiores revoluções que foi a descoberta do fogo. Essa descoberta teve papel fundamental naquele contexto para aquecer, proteger e propiciar avanços das ligas metálicas, para avançar no processo da evolução humana. Nesse processo, a categoria trabalho foi fundamental na libertação do homem naquele mundo hostil e distante.
O ensino da filosofia já estava naquele gesto da mulher que, carinhosamente, transmitiu o saber acumulado pela tribo mais evoluída. A forma relacional, a troca de conhecimentos propiciava a evolução, a superação do atraso, levando à grande revolução da humanidade que foi o domínio do fogo: libertação pela observação, pelo trabalho e domínio da natureza, colocando-a a serviço do Homem. A ação da mulher se faz presente como protagonista do novo.
Portanto, com as primeiras civilizações a troca de conhecimentos e experiências foram fundamentais. Nesse percurso, a filosofia estava presente nas mais variadas formas, apropriadas ou não pelos mais variados modelos de governo, de dominação e até a justificativas sobre a escravidão ao longo desses períodos históricos.
Esse percurso histórico não nega a contribuição e a sistematização da filosofia grega, tão importante naquele momento e para as gerações futuras. Os filósofos da natureza ensinavam e buscavam também uma forma de libertação pelo aprendizado e de ruptura necessária com uma leitura mitológica recorrente naquele universo do conhecimento.
Os questionamentos de Sócrates, com o seu método apontava uma meta de superação e contestação ao conhecimento naturalizado. Em Platão, a Episteme se coloca como uma nova possibilidade, assim como a contribuição de Aristóteles sobre os mais variados saberes daquela época. A contribuição de Heráclito foi fundamental e determinante no pensamento dialético, com a introdução do movimento e da transformação inerente e existente no mundo.
Outro momento onde o ensino da filosofia e a libertação estão presentes foi na luta destemida por um exército de aproximadamente 100 mil escravos, liderados por Spartacus (120-70, a.C), que enfrentaram o império Romano e, por pouco, não derrotaram esse poderoso império. Mais uma vez o pensamento opressor está presente e a libertação dos escravos também se fazia necessária.
No período Medieval, um outro episódio determinante foi a participação de Hipátia, filósofa e professora em Alexandria (355-415), que foi condenada à morte, a aceitar sua conversão religiosa .
“Sob o domínio Romano, a cidade de Alexandria é palcode uma das mais violentas rebeliões religiosas de toda história antiga. Judeus e Cristãos disputam a soberania política, econômica e religiosa da cidade. Entre o conflito, a bela e brilhante astrônoma Hypatia (Rachel Weisz) lidera um grupo de discípulos que luta para preservar a biblioteca de Alexandria. Dois deles disputam o seu amor: o prefeito Orestes (Oscar Isaac) e o jovemescravo Davus (Max Minghella). Entretanto, Hypatia terá que arriscar sua vida em uma batalha histórica que mudará o destino da humanidade.” http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=22661502&sid=
Mais uma vez, o ensino de filosofia e a libertação estão presentes na defesa concreta do conhecimento, em detrimento de outras explicações que não têm correspondência com o mundo daquela época, assim como nos dias atuais.
Com o desenvolvimento das primeiras relações pré-capitalistas, com as grandes navegações, também o conhecimento filosófico se fez presente, com a busca de novos mercados, impondo aos povos nativos a dominação e a fé cristã, levando à morte milhões de pessoas indefesas. A resistência foi grande naquele momento e a libertação dos oprimidos e das sequelas daquele genocídio ainda estão presentes na história e memória dos nativos sobreviventes.
O filme 1942, lançado no aniversário de 500 anos da descoberta da América, mostra Cristovão Colombo (Gerard Depardieu) e os europeus chegando ao Novo Mundo. A história acompanha desde os preparativos, com o navegador visionário recorrendo à coroa espanhola, até o terrível impacto da descoberta e do início da colonização sobre a população nativa. As dificuldades e temores da navegação, a perseverança de Colombo e o desafio da terra desconhecida fazem parte da aventura, que não descarta a brutalidade que envolveu os fatos.”http://filmescem.blogspot.com.br/2013/07/ficha-do-filme-1492-conquista-do.html
O ensino da filosofia está presente, bem como a necessária libertação dos nativos que reagem à matança dos colonizadores dos países dominantes.
Com o Renascimento, novamente o ensino de teologia se impõe, fazendo e levando várias vítimas à condenação, como aconteceu com o grande físico e matemático Galileu, nascido em 1564. Galileu teve grande contribuição à física, a matemática e a filosofia, utilizando as ferramentas da época como o telescópio, confirmou várias teorias e anunciou que o livro do universo estava escrito em linguagem matemática. A sua conclusão foi a base para sua condenação, e, quase o levaram à fogueira da “Santa Inquisição”.
São inúmeros os registros onde o ensino de filosofia e a filosofia da libertação estão intrinsecamente relacionados, numa relação de interesses antagônicos, tendo sempre por base as relações econômicas, a luta de classe e o necessário comprometimento rumo à libertação dos oprimidos.
Na Revolução Francesa esses conflitos se materializam nos embates entre os girondinos e jacobinos, que definiu conceitos como direita e esquerda, fortemente presentes nos dias atuais.
A Revolução Industrial também foi outro momento onde a classe começa a se organizar através das associações e sindicatos de trabalhadores que declararam guerra a exploração capitalista.
Caio Graco Babeuf, um dos lideres da conspiração dos iguais, o General dos exércitos de justiceiros, comandado por Ned Ludd, assim como a liga dos comunistas, fundada em 1847, tendo como destaques Marx e Engels, procuravam explicitar e organizar a resistência da classe trabalhadora em nível mundial, buscando a libertação dos trabalhadores da opressão do positivismo capitalista. Explicitam que: “A libertação social dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores” (do manifesto Comunista-1847)
Em 1848, Marx e Engels lançam importante manifesto denominado de manifesto comunista, bem como lançam outros livros como expressão dos embates de classe naquele e no atual momento histórico.
Do ponto de vista sociológico, vão afirmar que a história da humanidade até os dias atuais nada mais foi do que a história da luta de classe. Com essa definição, rompem com o eixo cronológico da história e instituem os embates de classe como marcos norteadores do processo de opressão e libertação dos trabalhadores e oprimidos nos mais variados sistemas econômicos que existiram.
Do ponto de vista econômico, vão definir a economia como o grande motor da história e que a sociedade só poderia ser modificada com as mudanças radicais dos modos de produção ao longo da história da humanidade. Mencionaram os modos de produção asiático, escravagista, feudal, capitalista, socialista e o comunismo científico.
Em relação a Filosofia , Marx afirma na tese contra Ludwig Andreas Feuerbach de que o papel do filósofo não é apenas contemplar o mundo e sim, transformá-lo. Ele combate a filosofia e os filósofos burgueses e faz um chamado aos filósofos que até então se limitavam a reconhecer, naturalizar e ficar indiferente diante das mazelas sociais. Ele convoca todos os filósofos a transformar o mundo em que vivemos. Um dos militantes que melhor compreendeu a teoria Marxista foi Lênin, que colocou em prática a revolução proletária na URSS. Nesse sentido, entendo que fundamentalmente o papel da filosofia e do filósofo é organizar para transformar o mundo em que vivemos. Portanto, o principio leninista está na ordem do dia.
No campo da política, sugerem a organização internacional dos trabalhadores. Eles reconhecem o caráter de classe, o fundamento econômico, a transformação filosófica e a união dos trabalhadores como condição indispensável para a destruição do sistema capitalista, rumo à uma sociedade socialista-comunista. Da mesma forma que a exploração do capital é internacional, a luta pela libertação dos trabalhadores deve ser universal. O ideal nesse contexto é a formação de um partido internacional da classe trabalhadora, bem como a luta sindical internacional da classe e assim sucessivamente em relação a outras demandas e manifestações contra a opressão.
A contribuição de Marx e Engels continua atual nas mais variadas partes do mundo, uma vez que o capitalismo significa exclusão de bilhões de seres das condições básicas de sobrevivência. Essa contribuição e influência marcou a sociedade,possibilitando uma nova leitura de mundo ao lado dos pobres e oprimidos, através da Teologia da Libertação.
No início da década de 80, quando cursava Teologia na Faculdade Assunção no Ipiranga, numa determinada manhã, o educador Paulo Freire deu uma aula pública e o currículo da faculdade era predominantemente sobre a Teologia da Libertação. Estávamos estudando a obra de Leonardo Boff, Igreja, Carisma e poder. Ao final, detectaram três níveis de igreja, a saber:
a) Igreja do outro mundo, vinculada à espiritualidade em si, sem nenhuma vinculação com o mundo material;
b) A igreja desse mundo, formalmente constituída e de braços dados com os governantes, numa relação de subordinação ao poder dominante constituído
c) Igreja do submundo, era a igreja das Comunidades Eclesiais de Base, da Teologia da Libertação, dos pobres e oprimidos.
Décadas depois dessa aula pública, podemos comparar e ainda indagar sobre a atual teologia, bem como podemos fazer referência sobre o ensino de Filosofia ao longo de sua existência.
Questionamos oportunamente nesse congresso qual a filosofia que almejamos:
a) Uma filosofia do outro mundo, vinculada às instituições religiosas, às normas e aulas de catequeses, ou mesmo uma metafísica descompromissada com a vida da população ?
b) Uma filosofia deste mundo, das habilidades e competências, dos governantes que se expressam através de manuais e livros didáticos, alinhados aos argumentos dos dominantes, portanto, despidos de criticidades;
c) Uma filosofia do submundo, a que existe no chão da escola, com a violência cotidiana, com assédio moral permanente, entre gestão, alunos e até colegas. Uma filosofia que dialoga e se identifica com os anseios de mudanças de uma juventude rebelde, sem perspectiva, sem direitos.
A filosofia do submundo expressa a vida do professor desmotivado, o baixo salário, o número excessivo de alunos em sala de aula, e muitas vezes se depara com a indiferença de concepções pedagógicas por parte dos gestores que não estão preparados para tal função.
Eu sei que o termo Filosofia do submundo parece forte, mas é isso que de fato acontece no âmbito da educação escolar. Podemos ainda comparar com os níveis de consciência, identificando a Filosofia do outro mundo como uma filosofia mágica, a filosofia desse mundo como igênua-transitiva e a Filosofia do Submundo como Crítica-radical.
Essa reflexão deve estar presente nos dias atuais, fundamentalmente a partir da revolta popular de junho/julho, onde milhões tomaram as ruas com pautas definidas como a redução da passagem, padrão FIFA na Educação, Saúde, Habitação e Trabalho, além de pautas de natureza ético-moral, em relação à corrupção e profundo questionamento das atuais instituições de poder e representação sindical partidária e estudantil.
Essas revoltas estão dentro de um contexto mundial com a primavera Árabe no norte da África na revolta contra a crise na Europa e “no Brasil da marolinha”.
Filosofia da libertação significa tomar partido ao lado dos empobrecidos pelo capitalismo, bem como selecionar conteúdos e desenvolver a práxis libertadora, é ter opção de classe em defesa dos oprimidos, é fazer coro com os gritos dos excluídos, com os gritos das ruas, das revoltas populares, é combater o racismo, a homofobia, a criminalização dos movimentos sociais, é garantir investimento na saúde, é lutar por 10 % do PIB para educação já, é lutar por moradia popular, apoiando a luta pela reforma agrária e urbana, é aprender com os Cubanos as lições de solidariedade, é combater os falsos mitos e estruturas de mortes, como os aparatos e as rotas policiais, é cobrar desmilitarização das policias que hoje praticam “assassinatos invisíveis” como ocorreu com desaparecimento de Amarildo.
Portanto, libertação não rima com opressão, omissão, deseducação e naturalização das coisas.
Libertação combina com liberdade, verdade, partilha, doação, comiseração, organização, participação e a necessária revolução.
Finalmente, pergunto aos educadores presentes ao plenário: em que medida a filosofia da libertação poderá mudar a atual situação dos educadores e educandos do nosso país?

A luta pela Filosofia da Libertação começa pela Libertação da Filosofia!!!

Aldo Santos-.Formado em Estudos Sociais, Filosofia, Bacharel em Teologia , com pós graduação em Filosofia da educação, Sociologia e o mundo do trabalho e Mestre em História  e Cultura.Foi Militante das comunidades eclesiais de base, Vereador por quatro legislatura em São Bernardo do Campo e Atualmente  é militante sindical, presidente da APROFFESP-APROFFIB e militante do Psol.



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