Ensino de Filosofia e
Libertação.
Exposição no I° Congresso
Brasileiro de Filosofia da Libertação e I Simpósio de Professores de Filosofia
do Estado de São Paulo, realizado na Fapcom, nos dias 4, 5,6 de setembro de
2013.
No livro, Marilena
Chauí afirma que a filosofia “Está presente na vida de todos nós. No mundo
ocidental, costuma-se dizer que remonta aos gregos. De uma perspectiva mais
ampla, podemos dizer que ela está presente na vida do ser humano desde um tempo
imemorial, anterior às primeiras civilizações. Dos primórdios do Homo sapiens
até as primeiras organizações humanas, cada atitude individual ou coletiva,
cada fenômeno físico ou avanço técnico, cada nova percepção dos meandros da
alma humana foi entremeada por ações passíveis de análise filosófica”.(do livro
“Iniciação à filosofia”, de Marilena Chauí, primeira edição de 2011,
publicado pela Editora Ática, na pagina três)
Essa elaboração supera a
cronologia sobre a existência da filosofia que hoje está centrada no mundo
grego, a partir da século VI antes de Cristo.
Como parte desse cenário do
processo da evolução, podemos observar a partir do filme Guerra do fogo que,
segundo os autores desta importante película, remonta há aproximadamente 80 mil
anos, onde dois grupos de Hominídeos apresentam características diferenciadas
em relação ao processo evolutivo. Para um desses grupos o fogo era algo muito
misterioso, sobrenatural, pois não sabia como preservar nem dominava qualquer
técnica para compreender aquele “mistério”. O outro grupo dominava a técnica de
fazer o fogo e estava mais evoluído em relação aos demais. Noah, Gaw e Amouhar
são levados a entrar em contato com os outros que tinham o conhecimento e a
técnica, devendo trazer para a tribo esse “novo conhecimento”.
Durante a viagem, encontram um
grupo de canibais e resgatam uma bela jovem, Ika, que vai orientar e despertar
novos sentimentos, além de possibilitar e protagonizar a passagem do
conhecimento da técnica e domínio sobre como provocar uma fagulha, a partir do
atrito, provocando assim, uma das maiores revoluções que foi a descoberta do
fogo. Essa descoberta teve papel fundamental naquele contexto para aquecer,
proteger e propiciar avanços das ligas metálicas, para avançar no processo da
evolução humana. Nesse processo, a categoria trabalho foi fundamental na
libertação do homem naquele mundo hostil e distante.
O ensino da filosofia já estava
naquele gesto da mulher que, carinhosamente, transmitiu o saber acumulado pela
tribo mais evoluída. A forma relacional, a troca de conhecimentos propiciava a
evolução, a superação do atraso, levando à grande revolução da humanidade que
foi o domínio do fogo: libertação pela observação, pelo trabalho e domínio da
natureza, colocando-a a serviço do Homem. A ação da mulher se faz presente como
protagonista do novo.
Portanto, com as primeiras
civilizações a troca de conhecimentos e experiências foram fundamentais. Nesse
percurso, a filosofia estava presente nas mais variadas formas, apropriadas ou
não pelos mais variados modelos de governo, de dominação e até a justificativas
sobre a escravidão ao longo desses períodos históricos.
Esse percurso histórico não
nega a contribuição e a sistematização da filosofia grega, tão importante
naquele momento e para as gerações futuras. Os filósofos da natureza ensinavam
e buscavam também uma forma de libertação pelo aprendizado e de ruptura
necessária com uma leitura mitológica recorrente naquele universo do
conhecimento.
Os questionamentos de Sócrates,
com o seu método apontava uma meta de superação e contestação ao conhecimento
naturalizado. Em Platão, a Episteme se coloca como uma nova possibilidade,
assim como a contribuição de Aristóteles sobre os mais variados saberes daquela
época. A contribuição de Heráclito foi fundamental e determinante no pensamento
dialético, com a introdução do movimento e da transformação inerente e
existente no mundo.
Outro momento onde o ensino da
filosofia e a libertação estão presentes foi na luta destemida por um exército
de aproximadamente 100 mil escravos, liderados por Spartacus (120-70, a.C), que
enfrentaram o império Romano e, por pouco, não derrotaram esse poderoso
império. Mais uma vez o pensamento opressor está presente e a libertação dos
escravos também se fazia necessária.
No período Medieval, um outro
episódio determinante foi a participação de Hipátia, filósofa e professora em
Alexandria (355-415), que foi condenada à morte, a aceitar sua conversão
religiosa .
“Sob o domínio Romano, a cidade de Alexandria é palcode uma das mais violentas rebeliões religiosas de toda história antiga. Judeus e Cristãos disputam a soberania
política, econômica
e religiosa da
cidade. Entre o conflito, a bela e brilhante astrônoma Hypatia (Rachel Weisz) lidera um grupo de discípulos que luta para preservar a biblioteca de
Alexandria. Dois deles disputam o seu amor: o prefeito Orestes (Oscar
Isaac) e o jovemescravo Davus (Max
Minghella). Entretanto, Hypatia terá que arriscar sua vida em uma batalha histórica que mudará o destino da humanidade.” http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=22661502&sid=
Mais uma vez, o ensino de
filosofia e a libertação estão presentes na defesa concreta do conhecimento, em
detrimento de outras explicações que não têm correspondência com o mundo
daquela época, assim como nos dias atuais.
Com o desenvolvimento das
primeiras relações pré-capitalistas, com as grandes navegações, também o
conhecimento filosófico se fez presente, com a busca de novos mercados, impondo
aos povos nativos a dominação e a fé cristã, levando à morte milhões de pessoas
indefesas. A resistência foi grande naquele momento e a libertação dos
oprimidos e das sequelas daquele genocídio ainda estão presentes na história e
memória dos nativos sobreviventes.
O filme 1942, lançado no
aniversário de 500 anos da descoberta da América, mostra Cristovão Colombo
(Gerard Depardieu) e os europeus chegando ao Novo Mundo. A história acompanha
desde os preparativos, com o navegador visionário recorrendo à coroa espanhola,
até o terrível impacto da descoberta e do início da colonização sobre a
população nativa. As dificuldades e temores da navegação, a perseverança de
Colombo e o desafio da terra desconhecida fazem parte da aventura, que não
descarta a brutalidade que envolveu os fatos.”http://filmescem.blogspot.com.br/2013/07/ficha-do-filme-1492-conquista-do.html
O ensino da filosofia está
presente, bem como a necessária libertação dos nativos que reagem à matança dos
colonizadores dos países dominantes.
Com o Renascimento, novamente o
ensino de teologia se impõe, fazendo e levando várias vítimas à condenação,
como aconteceu com o grande físico e matemático Galileu, nascido em 1564.
Galileu teve grande contribuição à física, a matemática e a filosofia,
utilizando as ferramentas da época como o telescópio, confirmou várias teorias
e anunciou que o livro do universo estava escrito em linguagem matemática. A
sua conclusão foi a base para sua condenação, e, quase o levaram à fogueira da
“Santa Inquisição”.
São inúmeros os registros onde
o ensino de filosofia e a filosofia da libertação estão intrinsecamente
relacionados, numa relação de interesses antagônicos, tendo sempre por base as
relações econômicas, a luta de classe e o necessário comprometimento rumo à
libertação dos oprimidos.
Na Revolução Francesa esses
conflitos se materializam nos embates entre os girondinos e jacobinos, que
definiu conceitos como direita e esquerda, fortemente presentes nos dias
atuais.
A Revolução Industrial também
foi outro momento onde a classe começa a se organizar através das associações e
sindicatos de trabalhadores que declararam guerra a exploração capitalista.
Caio Graco Babeuf, um dos
lideres da conspiração dos iguais, o General dos exércitos de justiceiros,
comandado por Ned Ludd, assim como a liga dos comunistas, fundada em 1847,
tendo como destaques Marx e Engels, procuravam explicitar e organizar a
resistência da classe trabalhadora em nível mundial, buscando a libertação dos
trabalhadores da opressão do positivismo capitalista. Explicitam que: “A libertação
social dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores” (do manifesto
Comunista-1847)
Em 1848, Marx e Engels lançam
importante manifesto denominado de manifesto comunista, bem como lançam outros
livros como expressão dos embates de classe naquele e no atual momento
histórico.
Do ponto de vista sociológico,
vão afirmar que a história da humanidade até os dias atuais nada mais foi do
que a história da luta de classe. Com essa definição, rompem com o eixo
cronológico da história e instituem os embates de classe como marcos norteadores
do processo de opressão e libertação dos trabalhadores e oprimidos nos mais
variados sistemas econômicos que existiram.
Do ponto de vista econômico,
vão definir a economia como o grande motor da história e que a sociedade só
poderia ser modificada com as mudanças radicais dos modos de produção ao longo
da história da humanidade. Mencionaram os modos de produção asiático,
escravagista, feudal, capitalista, socialista e o comunismo científico.
Em relação a Filosofia , Marx
afirma na tese contra Ludwig Andreas Feuerbach de que o papel do filósofo não é
apenas contemplar o mundo e sim, transformá-lo. Ele combate a filosofia e os
filósofos burgueses e faz um chamado aos filósofos que até então se limitavam a
reconhecer, naturalizar e ficar indiferente diante das mazelas sociais. Ele
convoca todos os filósofos a transformar o mundo em que vivemos. Um dos
militantes que melhor compreendeu a teoria Marxista foi Lênin, que colocou em
prática a revolução proletária na URSS. Nesse sentido, entendo que fundamentalmente
o papel da filosofia e do filósofo é organizar para transformar o mundo em que
vivemos. Portanto, o principio leninista está na ordem do dia.
No campo da política, sugerem a
organização internacional dos trabalhadores. Eles reconhecem o caráter de classe,
o fundamento econômico, a transformação filosófica e a união dos trabalhadores
como condição indispensável para a destruição do sistema capitalista, rumo à
uma sociedade socialista-comunista. Da mesma forma que a exploração do capital
é internacional, a luta pela libertação dos trabalhadores deve ser universal. O
ideal nesse contexto é a formação de um partido internacional da classe
trabalhadora, bem como a luta sindical internacional da classe e assim
sucessivamente em relação a outras demandas e manifestações contra a opressão.
A contribuição de Marx e Engels
continua atual nas mais variadas partes do mundo, uma vez que o capitalismo
significa exclusão de bilhões de seres das condições básicas de sobrevivência.
Essa contribuição e influência marcou a sociedade,possibilitando uma nova
leitura de mundo ao lado dos pobres e oprimidos, através da Teologia da
Libertação.
No início da década de 80,
quando cursava Teologia na Faculdade Assunção no Ipiranga, numa determinada
manhã, o educador Paulo Freire deu uma aula pública e o currículo da faculdade
era predominantemente sobre a Teologia da Libertação. Estávamos estudando a
obra de Leonardo Boff, Igreja, Carisma e poder. Ao final, detectaram três
níveis de igreja, a saber:
a) Igreja do outro mundo,
vinculada à espiritualidade em si, sem nenhuma vinculação com o mundo material;
b) A igreja desse mundo,
formalmente constituída e de braços dados com os governantes, numa relação de
subordinação ao poder dominante constituído
c) Igreja do submundo, era a
igreja das Comunidades Eclesiais de Base, da Teologia da Libertação, dos pobres
e oprimidos.
Décadas depois dessa aula
pública, podemos comparar e ainda indagar sobre a atual teologia, bem como
podemos fazer referência sobre o ensino de Filosofia ao longo de sua existência.
Questionamos oportunamente
nesse congresso qual a filosofia que almejamos:
a) Uma filosofia do outro
mundo, vinculada às instituições religiosas, às normas e aulas de catequeses,
ou mesmo uma metafísica descompromissada com a vida da população ?
b) Uma filosofia deste mundo,
das habilidades e competências, dos governantes que se expressam através de
manuais e livros didáticos, alinhados aos argumentos dos dominantes, portanto,
despidos de criticidades;
c) Uma filosofia do submundo, a
que existe no chão da escola, com a violência cotidiana, com assédio moral
permanente, entre gestão, alunos e até colegas. Uma filosofia que dialoga e se
identifica com os anseios de mudanças de uma juventude rebelde, sem
perspectiva, sem direitos.
A filosofia do submundo expressa a vida do professor desmotivado, o baixo salário, o número excessivo
de alunos em sala de aula, e muitas vezes se depara com a indiferença de
concepções pedagógicas por parte dos gestores que não estão preparados para tal
função.
Eu sei que o termo Filosofia do
submundo parece forte, mas é isso que de fato acontece no âmbito da educação
escolar. Podemos ainda comparar com os níveis de consciência, identificando a
Filosofia do outro mundo como uma filosofia mágica, a filosofia desse mundo
como igênua-transitiva e a Filosofia do Submundo como Crítica-radical.
Essa reflexão deve estar
presente nos dias atuais, fundamentalmente a partir da revolta popular de
junho/julho, onde milhões tomaram as ruas com pautas definidas como a redução
da passagem, padrão FIFA na Educação, Saúde, Habitação e Trabalho, além de
pautas de natureza ético-moral, em relação à corrupção e profundo
questionamento das atuais instituições de poder e representação sindical
partidária e estudantil.
Essas revoltas estão dentro de um
contexto mundial com a primavera Árabe no norte da África na revolta contra a
crise na Europa e “no Brasil da marolinha”.
Filosofia da libertação
significa tomar partido ao lado dos empobrecidos pelo capitalismo, bem como
selecionar conteúdos e desenvolver a práxis libertadora, é ter opção de classe
em defesa dos oprimidos, é fazer coro com os gritos dos excluídos, com os
gritos das ruas, das revoltas populares, é combater o racismo, a homofobia, a
criminalização dos movimentos sociais, é garantir investimento na saúde, é
lutar por 10 % do PIB para educação já, é lutar por moradia popular, apoiando a
luta pela reforma agrária e urbana, é aprender com os Cubanos as lições de
solidariedade, é combater os falsos mitos e estruturas de mortes, como os
aparatos e as rotas policiais, é cobrar desmilitarização das policias que hoje
praticam “assassinatos invisíveis” como ocorreu com desaparecimento de
Amarildo.
Portanto, libertação não rima
com opressão, omissão, deseducação e naturalização das coisas.
Libertação combina com
liberdade, verdade, partilha, doação, comiseração, organização, participação e
a necessária revolução.
Finalmente, pergunto aos
educadores presentes ao plenário: em que medida a filosofia da libertação
poderá mudar a atual situação dos educadores e educandos do nosso país?
A luta pela Filosofia da
Libertação começa pela Libertação da Filosofia!!!
Aldo Santos-.Formado
em Estudos Sociais, Filosofia, Bacharel em Teologia , com pós graduação em
Filosofia da educação, Sociologia e o mundo do trabalho e Mestre em
História e Cultura.Foi Militante das comunidades eclesiais de base,
Vereador por quatro legislatura em São Bernardo do Campo e Atualmente é
militante sindical, presidente da APROFFESP-APROFFIB e militante do Psol.
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