Movimentos e professores lançam manifesto por cotas nas
universidades estaduais de SP
Proposta de Geraldo Alckmin pretende
reservar 20% das cotas a estudantes de escolas públicas que passarem por uma
“etapa intermediária” de estudo à distância. Somente após dois anos, os
estudantes com as maiores notas poderiam ingressar no ensino superior
12/12/2012
Jorge Américo e José
Francisco Neto
da Redação
Movimentos sociais e professores das
três universidades estaduais paulistas -- USP, Unesp e Unicamp – realizam uma
campanha contra o projeto de cotas que o governador Geraldo Alckmin pretende
apresentar. Uma proposta alternativa será lançada nesta quarta-feira (12), na
Faculdade de Direito da USP, por meio do “Manifesto a Favor das Cotas Raciais
em São Paulo”.
Conforme divulgado na imprensa, a
proposta de Alckmin pretende reservar 20% das cotas a estudantes de escolas
públicas que passarem por uma “etapa intermediária” de estudo à distância,
chamada de “College”. Somente depois de dois anos nesse modelo, os estudantes
com as maiores notas poderiam ingressar no ensino superior. As demais vagas,
30%, seriam ocupadas conforme critérios de cada instituição.
Para a Frente Pró-Cotas, autora da
campanha contrária, a proposta do governo paulista retoma a ideia “de que
estudantes cotistas, defasados que chegam, podem diminuir a qualidade das
universidades”. E que essa forma é “preconceituosa e equivocada”.
Em 2006, pesquisa da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (Uerj) constatou que a média dos cotistas foi maior
que a dos demais estudantes em 34 de 56 cursos.
O manifesto defende uma política
semelhante à lei federal, sancionada em agosto pela presidenta Dilma Rousseff,
que reserva 50% das vagas em universidades e instituições federais a estudantes
de escola pública, respeitando a proporção de negros em cada estado.
Para assinar o manifesto
mande um e-mail para frenteprocotassp@gmail.com,
com nome, profissão, formação e entidade que representa.
Leia a íntegra do
manifesto:
MANIFESTO A FAVOR DAS COTAS RACIAIS EM SÃO PAULO
Contra o projeto do Governo de São Paulo, que classifica negros como estudantes de segunda classe;
Em defesa do PL 530/04
São Paulo, 05 de Dezembro de 2012
Com cerca de 14,5 milhões de afro-brasileiros/as, ou seja, 34,6% da população de 42 milhões de paulistas, São Paulo é o estado com a maior população negra do Brasil. Só na Capital são 4 milhões de negros/as. Apesar da importância política, econômica e cultural da presença negra, São Paulo se conformou em um estado estruturado pelas desigualdades raciais.
Segundo todos os indicadores socioeconômicos, negros/as ganham menos para as mesmas funções, padecem das piores condições de vida e estão ausentes dos espaços de poder. Ao mesmo tempo essa população, em especial a juventude, é a principal vítima da política de segurança pública do estado, que encarcera, tortura e mata, em uma absurda proporção. Aqui, as chances de negros serem assassinados são 132% maiores do que o assassinato de uma pessoa não negra (Mapa da Violência 2012).
Se não se pode responsabilizar as universidades estaduais paulistas pelos homicídios contra jovens negros, não há dúvidas que a sua estrutura de privilégios ajuda na produção de vulnerabilidades e mortes prematuras. A histórica decisão do STF, que declarou a constitucionalidade das ações afirmativas e das cotas raciais, em abril de 2012, sacramentou juridicamente esta posição, ao mesmo tempo em que expôs, do alto de sua importância política, esse estado de desigualdade e a necessidade das cotas raciais nas universidades.
No contexto de lutas contra o genocídio da juventude negra e por cotas raciais em SP, recebemos com negativa surpresa a proposta de Política de Cotas apresentada pelo Governo do Estado através das declarações do reitor da Unesp, Júlio Cezar Durigan, membro do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo (Cruesp), divulgadas em toda imprensa nos últimos dias.
Tal propositura repete um erro da Lei Federal, quando propõe que as cotas para negros incida apenas nos 50% destinado à estudantes de escolas públicas, o que reduz pela metade a justiça de seus números; O mais grave está maquiado na proposta, conforme divulgado pela Folha/UOL em 5/12/12 (1): “O modelo prevê que esses 50% sejam divididos - 20% das vagas irão para calouros de escolas públicas selecionados para curso superior a distância, preparatório. Os outros 30% seriam preenchidos por meio de ações a serem escolhidas pelas universidades”, que podemos entender da seguinte maneira:
• Dos 50% de vagas reservadas para estudantes de escolas públicas, 30% serão dirigidas para seleção a partir do critério de cada universidade, obedecendo a lógica do mérito acadêmico, ou seja, haverá uma seleção dos “melhores” estudantes cotistas pré-selecionados para a ocupação direta das vagas;
• As demais 20%, destas 50% de vagas reservadas, serão dirigidas ao “college”, uma espécie de “etapa intermediária” de estudo a distância, de 2 anos, onde os estudantes cotistas com menores notas terão um curso de reforço. Estes seriam promovidos a uma vaga na universidade apenas ao fim deste período “probatório”, caso alcancem média 7 em suas avaliações.
Meritocracia
Cabe lembrar que, como denunciam os movimentos negros há anos e conforme demonstra diversos estudos, reserva de vagas apenas para escolas públicas tende a selecionar os mais “preparados” academicamente destes espaços, e que há uma tendência de a população negra - os mais pobres entre os pobres - ocupar majoritariamente a faixa destes 20% destinado ao “college”. Ou seja, negros/as terão, mais uma vez negada sua efetiva inclusão no ensino superior por medidas protelatórias. Negros/as já possuem uma desvantagem acumulativa no que diz respeito ao ingresso e conclusão de cursos. Ao condicionar dois anos extras para alunos já em desvantagem, não apenas deixa-se de corrigir desigualdades de acesso ao ensino superior, como também se potencializa ainda mais a exclusão.
O melhor exemplo de ineficácia deste tipo de medida vem da própria USP, que em 2006 criou o Programa de Inclusão Social da USP (Inclusp), dirigido a estudantes de escolas públicas, com um resultado pífio: Apenas 87 alunos negros foram matriculados em cursos como Medicina, Direito e Engenharia até o vestibular de 2011. O número representa 0,9% dos matriculados nessas carreiras. Segundo o jornal Folha de São Paulo, “no processo seletivo 2012, a Universidade de São Paulo matriculou 28% de alunos vindos de escolas públicas. No ano anterior, esse índice foi de 26% – o que refletiu na inclusão de 2,8% de pretos e 10,6% de pardos, totalizando 1.409 alunos com esse perfil [dentre 10.652 vagas oferecidas naquele ano pela universidade, segundo dados da Fuvest]”. (2)
Cópia mal feita do já combalido sistema de ensino norte-americano – onde a graduação é essencialmente genérica, mas não de dois anos e de longa distância como se quer implantar aqui -, a medida é mais uma distração visando protelar a efetivação de políticas de inclusão. Preconceituosa e equivocada, a proposta reincide na ideia – matéria vencida no STF - de que estudantes cotistas, defasados que chegam, podem diminuir a qualidade das universidades. Ora, está mais que provado que, nesses quase 15 anos de experiência de implementação desta política, alunos cotistas têm igual ou maior notas quando comparados aos que acessam pelo método tradicional. ( 3 )
Sob o falacioso argumento da meritocracia, as universidades públicas paulistas elaboram sistema seletivo que muito longe de selecionar os melhores alunos, elege aqueles que gozaram de maior financiamento. Ao contrário do que se faz pensar, os vestibulares não medem a capacidade crítica do aluno. Em verdade, trata-se de simples processo de eliminação, que considera fundamentalmente o critério econômico. Em resumo, selecionam-se os alunos mais abastados. Grande parte do conteúdo exigido nos vestibulares não é oferecida sequer pelos colégios particulares medianos, menos ainda por escolas públicas. De maneira que estudantes, na medida de suas possibilidades, buscam preparação em Cursinhos para “aprenderem” técnicas para aprovação nas provas. Os resultados são conhecidos: Salvo raras exceções, apenas aqueles que podem ser financiados por um ou vários anos acabam aprovados.
Ainda quanto à reflexão sobre o papel da “meritocracia” como um “Deus” justificador do acesso aos espaços acadêmicos, a contribuição do ministro do STF Marco Aurélio é precisa:
“(...) Quanto ao artigo 208, inciso V, há de ser interpretado de modo harmônico com os demais preceitos constitucionais. A Cláusula “segundo a capacidade de cada um” somente pode fazer referência a igualdade plena, considerada a vida pregressa e as oportunidades que a sociedade ofereceu às pessoas. A meritocracia sem ‘igualdade de pontos de partida’ é apenas uma forma velada de aristocracia.” ( 4 )
Autonomia Universitária
Sob a justificativa de respeito a “Autonomia Universitária”, o governo de São Paulo jamais ouviu ou sequer respondeu as tentativas de diálogo junto ao movimento negro e movimentos sociais no sentido de construir políticas de estado que efetivassem o acesso de negros/as às universidades paulistas. A postura abertamente contrária à política de cotas para negros tanto do executivo quanto das reitorias fez de São Paulo o estado da federação mais atrasado no que diz respeito à diminuição das desigualdades raciais. USP, UNESP, UNICAMP e FATEC’s, ao contrário de universidades públicas de outros estados, promoveram tímidas – para não dizer nulas - iniciativas no sentido de provocar maior acesso de negros e pobres aos bancos universitários. Pode-se afirmar que, no quesito acesso de negros/as, a “Autonomia Universitária” tem sido utilizada pelas universidades públicas estaduais de SP para manter o privilégio branco. Neste contexto, é importante a lembrança do pronunciamento do STF, quando do julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 51, nos seguintes termos:
Não suponha que a autonomia de que goza a Universidade a coloque acima das leis e independente de qualquer liame com a administração, a ponto de estabelecer-se que na Escolha do Reitor sequer participe o Chefe do Poder Executivo, que é o Chefe da administração pública federal, ou que o Reitor seja elegível, uma ou mais vezes, ou que seja eleito por pessoas a quem a lei não confere essa faculdade.
De resto, na própria Constituição se podem encontrar preceitos que auxiliam a modelar o alcance da autonomia assegurada à Universidade.
[...]
De modo que, por mais larga que seja a autonomia universitária – “didático-científica, administrativa e de gestão financeira patrimonial” –, ela não significa independência em relação à administração pública, soberania em relação ao Estado.
[...]
A autonomia, é de evidência solar, não coloca a Universidade em posição superior à lei. Fora assim e a Universidade não seria autônoma, seria soberana. E no território nacional haveria manchas nas quais a lei não incidiria, porque afastada pela autonomia.++ (5)
Ademais, a autonomia é constitucionalmente concedida às universidades não para proveito próprio, mas para que a liberdade acadêmica se reverta em benefícios para toda a sociedade. A autonomia universitária se dá para que o direito social à educação se torne uma realidade, o que torna impossível que se diga autônoma uma universidade racista e elitista.
Da legitimidade do Movimento Negro e dos Movimentos Sociais
Nós, membros do movimento negro, movimentos sociais, ong’s, artistas e intelectuais há anos reivindicamos uma universidade pluriétnica. Diversos parlamentares, vinculados a diferentes partidos, já apresentaram na ALESP – Assembleia Legislativa do Estado de SP - projetos de Cotas Raciais; Departamentos internos às universidades, bem como grande parte de suas comunidades acadêmicas já manifestaram apoio à implementação de cotas raciais diretas; atos públicos, seminários, audiências públicas e até reuniões oficiais junto a conselhos universitários foram promovidas. Tudo no intuito de sensibilizar o governo estadual e as reitorias para a democratização do acesso de negros/as nessas universidades.
Não aceitaremos subterfúgios. Vários estudos apontam que a adoção de COTAS RACIAIS diretas e imediatas é o único meio capaz de mudar o perfil monocromático e elitista das universidades públicas em curto e médio prazo. Medidas como as apresentadas agora não só expõem a face racial da elite paulista, mas também evidenciam o descompasso entre o governo estadual e os movimentos sociais organizados. O governo estadual, reitorias e algumas Ong’s (que não falam em nome da esmagadora maioria da comunidade negra e dos trabalhadores organizados) não têm legitimidade para formular políticas de ação afirmativa e cotas, sem considerar o histórico de lutas e formulações construídas pelos movimentos sociais ao longo de anos de luta.
Defendemos uma política de ação afirmativa de cotas para negros nas universidades paulistas nos moldes do PL 530/04, que há 8 anos tramita na ALESP, objeto o qual já foi alvo de intensos debates, acordos suprapartidários e audiências públicas, a última realizada em 22 de maio de 2012, quando estiveram presentes, além parlamentares e de movimentos populares, representantes da USP, UNESP e UNICAMP.
E é em nome da justiça, ainda que tardia, no que se refere ao acesso de negros às universidades públicas de SP, que nós, organizados na Frente Pró Cotas Raciais de SP e solidários, abaixo assinados, EXIGIMOS:
• Suspensão da atual proposta de “cotas maquiadas”, do Governo de São Paulo e reitorias;
• Por uma política de estado que efetive cotas raciais nas universidades públicas paulistas, diretas, sem etapas intermediárias e que incida sobre 100% das vagas disponíveis;
• Pela promoção do diálogo entre governo, reitorias, movimentos negros e movimentos sociais que realmente representam a sociedade civil organizada. A construção das políticas de cotas devem se dar em conjunto com a sociedade civil e os grupos diretamente interessados!
• Pela defesa do PL 530/04, em trâmite na ALESP há mais de 8 anos.
FRENTE PRÓ-COTAS RACIAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO
Contra o projeto do Governo de São Paulo, que classifica negros como estudantes de segunda classe;
Em defesa do PL 530/04
São Paulo, 05 de Dezembro de 2012
Com cerca de 14,5 milhões de afro-brasileiros/as, ou seja, 34,6% da população de 42 milhões de paulistas, São Paulo é o estado com a maior população negra do Brasil. Só na Capital são 4 milhões de negros/as. Apesar da importância política, econômica e cultural da presença negra, São Paulo se conformou em um estado estruturado pelas desigualdades raciais.
Segundo todos os indicadores socioeconômicos, negros/as ganham menos para as mesmas funções, padecem das piores condições de vida e estão ausentes dos espaços de poder. Ao mesmo tempo essa população, em especial a juventude, é a principal vítima da política de segurança pública do estado, que encarcera, tortura e mata, em uma absurda proporção. Aqui, as chances de negros serem assassinados são 132% maiores do que o assassinato de uma pessoa não negra (Mapa da Violência 2012).
Se não se pode responsabilizar as universidades estaduais paulistas pelos homicídios contra jovens negros, não há dúvidas que a sua estrutura de privilégios ajuda na produção de vulnerabilidades e mortes prematuras. A histórica decisão do STF, que declarou a constitucionalidade das ações afirmativas e das cotas raciais, em abril de 2012, sacramentou juridicamente esta posição, ao mesmo tempo em que expôs, do alto de sua importância política, esse estado de desigualdade e a necessidade das cotas raciais nas universidades.
No contexto de lutas contra o genocídio da juventude negra e por cotas raciais em SP, recebemos com negativa surpresa a proposta de Política de Cotas apresentada pelo Governo do Estado através das declarações do reitor da Unesp, Júlio Cezar Durigan, membro do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo (Cruesp), divulgadas em toda imprensa nos últimos dias.
Tal propositura repete um erro da Lei Federal, quando propõe que as cotas para negros incida apenas nos 50% destinado à estudantes de escolas públicas, o que reduz pela metade a justiça de seus números; O mais grave está maquiado na proposta, conforme divulgado pela Folha/UOL em 5/12/12 (1): “O modelo prevê que esses 50% sejam divididos - 20% das vagas irão para calouros de escolas públicas selecionados para curso superior a distância, preparatório. Os outros 30% seriam preenchidos por meio de ações a serem escolhidas pelas universidades”, que podemos entender da seguinte maneira:
• Dos 50% de vagas reservadas para estudantes de escolas públicas, 30% serão dirigidas para seleção a partir do critério de cada universidade, obedecendo a lógica do mérito acadêmico, ou seja, haverá uma seleção dos “melhores” estudantes cotistas pré-selecionados para a ocupação direta das vagas;
• As demais 20%, destas 50% de vagas reservadas, serão dirigidas ao “college”, uma espécie de “etapa intermediária” de estudo a distância, de 2 anos, onde os estudantes cotistas com menores notas terão um curso de reforço. Estes seriam promovidos a uma vaga na universidade apenas ao fim deste período “probatório”, caso alcancem média 7 em suas avaliações.
Meritocracia
Cabe lembrar que, como denunciam os movimentos negros há anos e conforme demonstra diversos estudos, reserva de vagas apenas para escolas públicas tende a selecionar os mais “preparados” academicamente destes espaços, e que há uma tendência de a população negra - os mais pobres entre os pobres - ocupar majoritariamente a faixa destes 20% destinado ao “college”. Ou seja, negros/as terão, mais uma vez negada sua efetiva inclusão no ensino superior por medidas protelatórias. Negros/as já possuem uma desvantagem acumulativa no que diz respeito ao ingresso e conclusão de cursos. Ao condicionar dois anos extras para alunos já em desvantagem, não apenas deixa-se de corrigir desigualdades de acesso ao ensino superior, como também se potencializa ainda mais a exclusão.
O melhor exemplo de ineficácia deste tipo de medida vem da própria USP, que em 2006 criou o Programa de Inclusão Social da USP (Inclusp), dirigido a estudantes de escolas públicas, com um resultado pífio: Apenas 87 alunos negros foram matriculados em cursos como Medicina, Direito e Engenharia até o vestibular de 2011. O número representa 0,9% dos matriculados nessas carreiras. Segundo o jornal Folha de São Paulo, “no processo seletivo 2012, a Universidade de São Paulo matriculou 28% de alunos vindos de escolas públicas. No ano anterior, esse índice foi de 26% – o que refletiu na inclusão de 2,8% de pretos e 10,6% de pardos, totalizando 1.409 alunos com esse perfil [dentre 10.652 vagas oferecidas naquele ano pela universidade, segundo dados da Fuvest]”. (2)
Cópia mal feita do já combalido sistema de ensino norte-americano – onde a graduação é essencialmente genérica, mas não de dois anos e de longa distância como se quer implantar aqui -, a medida é mais uma distração visando protelar a efetivação de políticas de inclusão. Preconceituosa e equivocada, a proposta reincide na ideia – matéria vencida no STF - de que estudantes cotistas, defasados que chegam, podem diminuir a qualidade das universidades. Ora, está mais que provado que, nesses quase 15 anos de experiência de implementação desta política, alunos cotistas têm igual ou maior notas quando comparados aos que acessam pelo método tradicional. ( 3 )
Sob o falacioso argumento da meritocracia, as universidades públicas paulistas elaboram sistema seletivo que muito longe de selecionar os melhores alunos, elege aqueles que gozaram de maior financiamento. Ao contrário do que se faz pensar, os vestibulares não medem a capacidade crítica do aluno. Em verdade, trata-se de simples processo de eliminação, que considera fundamentalmente o critério econômico. Em resumo, selecionam-se os alunos mais abastados. Grande parte do conteúdo exigido nos vestibulares não é oferecida sequer pelos colégios particulares medianos, menos ainda por escolas públicas. De maneira que estudantes, na medida de suas possibilidades, buscam preparação em Cursinhos para “aprenderem” técnicas para aprovação nas provas. Os resultados são conhecidos: Salvo raras exceções, apenas aqueles que podem ser financiados por um ou vários anos acabam aprovados.
Ainda quanto à reflexão sobre o papel da “meritocracia” como um “Deus” justificador do acesso aos espaços acadêmicos, a contribuição do ministro do STF Marco Aurélio é precisa:
“(...) Quanto ao artigo 208, inciso V, há de ser interpretado de modo harmônico com os demais preceitos constitucionais. A Cláusula “segundo a capacidade de cada um” somente pode fazer referência a igualdade plena, considerada a vida pregressa e as oportunidades que a sociedade ofereceu às pessoas. A meritocracia sem ‘igualdade de pontos de partida’ é apenas uma forma velada de aristocracia.” ( 4 )
Autonomia Universitária
Sob a justificativa de respeito a “Autonomia Universitária”, o governo de São Paulo jamais ouviu ou sequer respondeu as tentativas de diálogo junto ao movimento negro e movimentos sociais no sentido de construir políticas de estado que efetivassem o acesso de negros/as às universidades paulistas. A postura abertamente contrária à política de cotas para negros tanto do executivo quanto das reitorias fez de São Paulo o estado da federação mais atrasado no que diz respeito à diminuição das desigualdades raciais. USP, UNESP, UNICAMP e FATEC’s, ao contrário de universidades públicas de outros estados, promoveram tímidas – para não dizer nulas - iniciativas no sentido de provocar maior acesso de negros e pobres aos bancos universitários. Pode-se afirmar que, no quesito acesso de negros/as, a “Autonomia Universitária” tem sido utilizada pelas universidades públicas estaduais de SP para manter o privilégio branco. Neste contexto, é importante a lembrança do pronunciamento do STF, quando do julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 51, nos seguintes termos:
Não suponha que a autonomia de que goza a Universidade a coloque acima das leis e independente de qualquer liame com a administração, a ponto de estabelecer-se que na Escolha do Reitor sequer participe o Chefe do Poder Executivo, que é o Chefe da administração pública federal, ou que o Reitor seja elegível, uma ou mais vezes, ou que seja eleito por pessoas a quem a lei não confere essa faculdade.
De resto, na própria Constituição se podem encontrar preceitos que auxiliam a modelar o alcance da autonomia assegurada à Universidade.
[...]
De modo que, por mais larga que seja a autonomia universitária – “didático-científica, administrativa e de gestão financeira patrimonial” –, ela não significa independência em relação à administração pública, soberania em relação ao Estado.
[...]
A autonomia, é de evidência solar, não coloca a Universidade em posição superior à lei. Fora assim e a Universidade não seria autônoma, seria soberana. E no território nacional haveria manchas nas quais a lei não incidiria, porque afastada pela autonomia.++ (5)
Ademais, a autonomia é constitucionalmente concedida às universidades não para proveito próprio, mas para que a liberdade acadêmica se reverta em benefícios para toda a sociedade. A autonomia universitária se dá para que o direito social à educação se torne uma realidade, o que torna impossível que se diga autônoma uma universidade racista e elitista.
Da legitimidade do Movimento Negro e dos Movimentos Sociais
Nós, membros do movimento negro, movimentos sociais, ong’s, artistas e intelectuais há anos reivindicamos uma universidade pluriétnica. Diversos parlamentares, vinculados a diferentes partidos, já apresentaram na ALESP – Assembleia Legislativa do Estado de SP - projetos de Cotas Raciais; Departamentos internos às universidades, bem como grande parte de suas comunidades acadêmicas já manifestaram apoio à implementação de cotas raciais diretas; atos públicos, seminários, audiências públicas e até reuniões oficiais junto a conselhos universitários foram promovidas. Tudo no intuito de sensibilizar o governo estadual e as reitorias para a democratização do acesso de negros/as nessas universidades.
Não aceitaremos subterfúgios. Vários estudos apontam que a adoção de COTAS RACIAIS diretas e imediatas é o único meio capaz de mudar o perfil monocromático e elitista das universidades públicas em curto e médio prazo. Medidas como as apresentadas agora não só expõem a face racial da elite paulista, mas também evidenciam o descompasso entre o governo estadual e os movimentos sociais organizados. O governo estadual, reitorias e algumas Ong’s (que não falam em nome da esmagadora maioria da comunidade negra e dos trabalhadores organizados) não têm legitimidade para formular políticas de ação afirmativa e cotas, sem considerar o histórico de lutas e formulações construídas pelos movimentos sociais ao longo de anos de luta.
Defendemos uma política de ação afirmativa de cotas para negros nas universidades paulistas nos moldes do PL 530/04, que há 8 anos tramita na ALESP, objeto o qual já foi alvo de intensos debates, acordos suprapartidários e audiências públicas, a última realizada em 22 de maio de 2012, quando estiveram presentes, além parlamentares e de movimentos populares, representantes da USP, UNESP e UNICAMP.
E é em nome da justiça, ainda que tardia, no que se refere ao acesso de negros às universidades públicas de SP, que nós, organizados na Frente Pró Cotas Raciais de SP e solidários, abaixo assinados, EXIGIMOS:
• Suspensão da atual proposta de “cotas maquiadas”, do Governo de São Paulo e reitorias;
• Por uma política de estado que efetive cotas raciais nas universidades públicas paulistas, diretas, sem etapas intermediárias e que incida sobre 100% das vagas disponíveis;
• Pela promoção do diálogo entre governo, reitorias, movimentos negros e movimentos sociais que realmente representam a sociedade civil organizada. A construção das políticas de cotas devem se dar em conjunto com a sociedade civil e os grupos diretamente interessados!
• Pela defesa do PL 530/04, em trâmite na ALESP há mais de 8 anos.
FRENTE PRÓ-COTAS RACIAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO
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