Como educador e militante do movimento negro, procuro sempre estar atento ao que vem acontecendo do ponto de vista ideológico e científico na sociedade humana.
Por ser uma militante solidária as causas dos “oprimidos”, recebi da professora Nayara Navarro, o texto publicado no caderno de exercícios dos alunos, 2º ano, 3º bimestre de 2011, sob a responsabilidade da equipe técnica de geografia, da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
O texto refere-se a: Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia.
“[...] No século XVIII, a cor da pele foi considerada como um critério fundamental e divisor d’água entre as chamadas raças. [...]
No século XIX, acrescentou-se ao critério da cor outros critérios morfológicos, como a forma do nariz, dos lábios, do queixo, o formato do crânio, o ângulo facial etc. para aperfeiçoar a classificação. [...]
No século XX, descobriu-se, graças aos progressos da Genética Humana, que havia no sangue critérios químicos mais determinantes para consagrar definitivamente a divisão da humanidade em raças estanques. Grupos de sangue, certas doenças hereditárias e outros fatores na hemoglobina eram encontrados com mais frequência e incidência em algumas raças do que em outras, podendo configurar o que os próprios geneticistas chamaram de marcadores genéticos. O cruzamento de todos os critérios possíveis (o critério da cor da pele, os critérios morfológicos e químicos) deu origem a dezenas de raças, sub-raças e subsub-raças. As pesquisas comparativas levaram também à conclusão de que os patrimônios genéticos de dois indivíduos pertencentes a uma mesma raça podem ser mais distantes que os pertencentes a raças diferentes; um marcador genético característico de uma raça pode, embora com menos incidência, ser encontrado em outra raça. Assim, um senegalês pode, geneticamente, ser mais próximo de um norueguês e mais distante de um congolês, da mesma maneira que raros casos de anemia falciforme podem ser encontrados na Europa etc. Combinando todos esses desencontros com os progressos realizados na própria ciência biológica (genética humana, biologia molecular, bioquímica), os estudiosos desse campo de conhecimento chegaram à conclusão de que a raça não é uma realidade biológica, mas sim apenas um conceito, aliás, cientificamente inoperante, para explicar a diversidade humana e para dividi-la em raças estanques. Ou seja, biológica e cientificamente, as raças não existem.
A invalidação científica do conceito de raça não significa que todos os indivíduos ou todas as populações sejam geneticamente semelhantes. Os patrimônios genéticos são diferentes, mas essas diferenças não são suficientes para classificá-las em raças. O maior problema não está nem na classificação como tal, nem na inoperacionalidade científica do conceito de raça. Se os naturalista dos séculos XVIII-XIX tivessem limitado seus trabalhos somente à classificação dos grupos humanos em função das características físicas, eles não teriam certamente causado nenhum problema à humanidade. Suas classificações teriam sido mantidas ou rejeitadas como sempre aconteceu na história do conhecimento científico. Infelizmente, desde o início, eles se deram o direito de hierarquizar, isto é, de estabelecer uma escala de valores entre as chamadas raças. O fizeram erigindo uma relação intrínseca entre o biológico (cor da pele, traços morfológicos) e as qualidades psicológicas, morais, intelectuais e culturais. Assim, os indivíduos da raça “branca” foram decretados coletivamente superiores aos da raça “negra” e “amarela”, em função de suas características físicas hereditárias, tais como a cor clara da pele, o formato do crânio (dolicocefalia), a forma dos lábios, do nariz, do queixo etc., que, segundo pensavam, os tornam mais bonitos, mais inteligentes, mais honestos, mais inventivos etc. e, conseqüentemente, mais aptos para dirigir e dominar as outras raças, principalmente a negra, mais escuras de todas e, conseqüentemente, considerada como a mais estúpida, mais emocional, menos honesta, menos inteligente e, portanto, a mais sujeita à escravidão e a todas as formas de dominação. [...] Podemos observar que o conceito de raça, tal como o empregamos hoje, nada tem de biológico. É um conceito carregado de ideologia, pois, como todas as ideologias, ele esconde uma coisa não proclamada: a relação de poder e de dominação. ”(MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Palestra proferida no 3º Seminário Nacional Relações Raciais e Educação – PENESB – RJ, 5/11/03.)
De fato, o texto apresentado chama atenção para a banalidade do preconceito e do racismo que ainda é ostentado por amplos segmentos da sociedade no mundo inteiro.
Evidentemente que o debate nem sempre expressa o que a ciência afirma,por conta das várias leituras e interpretações que o tema comporta.
Entendo que o debate afirmativo de raça, realmente revela o conflito de classe tão presente em nossa sociedade. A própria escravidão em si representava e externava os interesses econômicos de determinados ciclos econômicos que, via de regra, foi materializado nessa tragédia humana com seqüelas “ irremovíveis “ que foi e é a escravidão nos mais variados “modos de produção” existentes.
A contribuição acima mencionada, certamente é mais uma elaboração que vai estimular o nosso engajamento na luta cotidiana contra todas as formas de preconceito e de racismo ainda presente na nossa cultura e nos interesses econômicos dos mais variados setores da sociedade.
Nesse contexto, convidamos os educadores e educandos para organizarmos as atividades permanentes de combate ao racismo, bem como a Semana da Consciência Negra, que se realiza todos os anos, tendo como marco histórico o assassinato de Zumbi dos Palmares em 20 de novembro de 1695, Comandante do Quilombo dos Palmares, capitania de Pernambuco, na serra da Barriga, no Estado de Alagoas.
Datas como 08 de março – dia das mulheres, 01 de maio – dia do trabalhador, 07 de setembro – dia dos excluídos, 15 de outubro – dia dos professores e 20 de novembro– dia da Consciência Negra, são momentos fundamentais para que façamos amplo debate sobre seus significados, enfrentando os desafios existentes,repudiando conteúdos abjetos, que na sociedade capitalista se manifesta na violência frontal contra os índios, negros,operários, mulheres, pobres e todas as formas de exclusão material e cultural.
“A história de todas as sociedades que existiram até aos nossos dias é a história da luta de classes. Homens livres e escravos, patrícios e plebeus, senhores e servos, mestres e oficiais, numa palavra: opressores e oprimidos, em oposição constante, travaram uma guerra ininterrupta, ora aberta, ora dissimulada, uma guerra que acaba sempre pela transformação revolucionária de toda a sociedade, ou pela destruição das duas classes beligerantes.” (texto do manifesto comunista de Karl Marx e Friedrich Engels, Prefácio à edição alemã de 1872).
Corroborando com esse viés de classe, um dos maiores líderes do século XX, Malcom X, assassinado em 1965, portanto, 270 anos após a morte de Zumbi, afirmava: “Não existe capitalismo sem racismo”.
Com a evolução da dominação, “[...] ora a luta de classe é uma guerra ininterrupta, ora aberta, ora dissimulada [...]”, como afirma o próprio Manifesto Comunista. Conclui-se, portanto, que a guerra dos senhores é a combinação estratégica de permanente guerra ininterrupta, sempre aberta e dissimulada.
Lutar sempre é preciso!
Aldo Santos. Coordenador da Apeoesp-SBC, Coordenador da corrente Política TLS, Presidente da Associação dos Professores de filosofia e filósofos do Estado de São Paulo – APROFFESP, Membro do Coletivo Nacional de Filosofia e da Executiva Nacional do PSOL.
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