segunda-feira, 21 de março de 2011

O Discurso que incomoda muita gente.

 
"Eles temem um povo que deixa de ser um número, um cadastro ou uma fila e, passam a ter fisionomia, cabeça erguida, auto-estima e exigem direitos"
(Aldo Santos).

1 - Contexto do discurso proferido no Plenário da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo, no dia 18 de junho de 2003

Na ocasião existiam no Plenário aproximadamente 40 moradores e moradoras de rua, que vieram solicitar uma mediação para serem recebidos pelo Prefeito da cidade, Sr. Willian Dib, uma vez que se aproximava um feriado prolongado e, os mesmos não tinham onde se alimentar e tomar banho. Denunciaram também, que freqüentemente são agredidos pela Guarda Municipal de São Bernardo do Campo.

Diante da denúncia e do impasse criado, uma vez que o prefeito e seus representantes na Câmara Municipal não se manifestavam sobre as denúncias proferidas, fui à tribuna para expor a minha indignação diante do descaso para com esses seres humanos.

2 - Filosofia da rua

Comecei meu pronunciamento tendo por base uma publicação do Jornal Folha de São Paulo de 05 de janeiro de 2000, de autoria de Carlos Heitor Cony, publicado no livro de Gilberto Cotrim, “Fundamentos da Filosofia”, 15ª edição, ano 2000, página 106, conforme inteiro teor:

“ Zombavam de Diógenes. Além de morar num barril, volta e meia era visto pedindo esmolas às estátuas. Cegas por serem estátuas, eram duplamente cegas porque não tinham olhos – uma das características da estatuária grega (...)

Perguntaram a Diógenes por que pedia esmolas às estátuas inanimadas, de olhos vazios. Ele respondeu que estava se habituando à recusa. Pedindo a quem não o via nem sentia, ele nem ficava aborrecido pelo fato de não ser atendido.

É mais ou menos uma imagem que pode ser usada para definir as relações entre a sociedade e o poder. Tal como as estátuas gregas, o poder tem os olhos vazados, só olha para dentro de si mesmo, de continuidade e de mais poder.

A sociedade, em linhas gerais, não chega a morar num barril. Uma pequena minoria mora em coisa mais substancial. A maioria mora em espaços um pouco maiores do que um barril. E há gente que nem consegue um barril para morar, fica mesmo em baixo da ponte ou por cima das calçadas.

Morando em coisa melhor, igual ou pior que um barril, a sociedade tem necessidade de pedir não exatamente esmolas ao poder, mas medidas de segurança, emprego, saúde e educação. Dispõe de vários canais para isso, mas na etapa final, todos se resumem numa estátua fria, de olhos que nem estão fechados: estão vazios (...)”.

3 – Denúncias de Agressão da Guarda Municipal de SBC

Quero deixar claro para os companheiros que quando foi criada a Guarda Municipal de São Bernardo do Campo, votei contrário. Aliás, fui o único vereador que votou contrário e me “queimei” muito naquela ocasião. Sei que criam esses braços paramilitares que na primeira conversa vem com o negócio de cuidar do patrimônio, mas a gente sabe que vai chegar o momento, como já aconteceu no espancamento dos sem-teto, aqui no Paço, em que, para eles, não será só o patrimônio que estará em jogo, para eles o que estará em jogo será não permitir que alguém possa viver livremente e vão ter a função de espancar as pessoas como foi feito com essa senhora e com outros companheiros que estão aqui presentes.

Entendemos como funciona a sociedade. Entendemos que são braços auxiliares dos governantes. Não é para ajudar a comunidade, mas é para descer o porrete na hora em que a comunidade ousar lutar por qualquer melhoria naquilo que achar que tem que ser feito.

Esse Coronel Branco, na verdade, é um ditador. Essas pessoas deveriam ser trocadas. O Prefeito Willian Dib deveria tirar essas pessoas que são ditadoras e não colocar pessoas que não têm sensibilidade para tratar as pessoas de rua. Isso não é qualquer coisa. São pessoas que estão sendo espancadas na rua. Não têm emprego. Não é por que querem. Estão jogadas nessa condição de miserabilidade.

Quero deixar claro, Sr. Presidente, para que fiquemos atentos se a Guarda não vai puni-los, ainda mais, pelo fato de terem vindo aqui, hoje. Temos que estar atentos se não vai haver represálias por conta da vinda dos companheiros aqui, hoje.

(Obs: transcrição das notas taquigráficas sem a correção do autor).

4 - A Função Social da Terra

Por último, quero dizer para vocês que moram nas ruas. Não adianta somente reclamar. Ora, vocês conhecem muitas áreas em São Bernardo do Campo. Não conhecem? Vocês têm que mapear estas áreas e ocuparem também para terem casa, temos que organizar isto. Temos tantas áreas boas em São Bernardo do Campo. Vamos organizar. Faça um grupo de sem teto que não tem para onde ir e vamos levantar umas áreas legais que têm por aí e entrar. Ou vocês vão esperar que alguém leve vocês para lá achando que vocês merecem? Então gente, se organize também, criem um grupo de sem teto assim como os sem terra estão fazendo no interior levando os trabalhadores, se organizem, porque tem muita área boa em São Bernardo se vocês forem para lá, porque vai ser melhor servir a vocês do que servir para a exploração imobiliária. (Obs: transcrição das notas taquigráficas sem a correção do autor).

5 – Conclusão!!!

A direita reacionária, representada pelo Prefeito Willian Dib, e pelo Governador do Estado, Geraldo Alckmin, afinados e mancomunados, acusam direta e indiretamente parte do nosso discurso, tentando transferir para mim a responsabilidade de um quadro social criado, em grande parte, pela inoperância e omissão deles próprios ao longo de anos de governo. O Prefeito protocolou representação contra mim citando o Código Penal com base nos artigos 286 e 287, que versam sobre crimes contra a paz pública – incitar, publicamente, a prática de crime e fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime. Aqui fica clara a manobra para justificar sua omissão diante dos fatos que compõem a tragédia social no Brasil e em nossa cidade.

Tratar o movimento social como crime, é andar na contramão da história, uma vez que o próprio presidente Lula e os seus ministros, vêem afirmando que problema de sem teto e sem terra, é um problema social e não policial.

Para concluir, retomo parte do texto de Cony, que fala por si só.

“ A sociedade, em linhas gerais, não chega a morar num barril. Uma pequena minoria mora em coisa mais substancial. A maioria mora em espaços um pouco maiores do que um barril. E há gente que nem consegue um barril para morar, fica mesmo em baixo da ponte ou por cima das calçadas.

Morando em coisa melhor, igual ou pior que um barril, a sociedade tem necessidade de pedir não exatamente esmolas ao poder, mas medidas de segurança, emprego, saúde e educação. Dispõe de vários canais para isso, mas na etapa final, todos se resumem numa estátua fria, de olhos que nem estão fechados: estão vazios (...)”.

"Somos o que fazemos,

mas somos, principalmente,

o que fazemos para mudar

o que somos."
Eduardo Galeano



Professor/ Vereador Aldo Santos
Sempre sempre na Luta
Publicado no livreto : Diário do acampanmaneto Santo Dias, de Aldo Santos Junior  

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