terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Inclusão da temática sobre a questão de gênero como obrigatória no currículo oficial da Rede de Ensino do Estado de São Paulo.

INDICAÇÃO Nº 3369 , DE 2013
INDICO, nos termos do artigo 159 da XIV Consolidação do Regimento Interno, ao Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, para que determine à Secretaria de Estado da Educação a inclusão da temática sobre a questão de gênero como obrigatória no currículo oficial da Rede de Ensino do Estado de São Paulo.

JUSTIFICATIVA
Em um mundo onde o patriarcalismo está arraigado, a causa da desigualdade de gênero foi e é responsável por vitimar de maneira drástica as mulheres.
A violência contra as mulheres é considerada a forma mais antiga e encoberta, escolhida pelo gênero masculino, de opressão de classe, manifestação de poder e dominação.
Em todos os casos, que inclui a prática de manipulação do corpo da mulher submetendo-o a violência, tanto a que se refere à agressão física (espancamentos, estupros, assassinatos) quanto a que o coisifica enquanto objeto de consumo, toleradas inclusive pelo Estado, estão ligados ao fato de que historicamente a mulher foi tomada como propriedade pelo homem, que exerce plenos direitos sobre ela, para assegurar a paternidade e a herança (quando se acumula) dos filhos.
Sendo assim, a sociedade patriarcal prioriza as relações mercantis, bem como a propriedade privada em detrimento das relações humanas matrimoniais. Diante dessas raízes culturais, a mulher vem pagando um “preço” altíssimo a se ver submetida a cumprir o papel imposto por esse sistema, que corresponde a uma hierarquização entre os sexos, incontestavelmente destacando as relações de poder, ao legitimar a inferioridade do papel da mulher na produção social a partir do surgimento da propriedade privada.
Quando o sexo feminino decide romper com sua posição social subalterna, ou seja, com o modelo de feminilidade imposto desde a infância que restringe seu comportamento (inclusive sexual) ao discreto quando em público, e privadamente, voltado à satisfação do seu namorado ou marido, chegando ao ponto de ser incentivada a sacrificar sua integridade física e psicológica em nome da manutenção do casamento e da família, é coagida correndo o risco muitas vezes de sofrer feminicídio. Segundo Marcela Lagarde feminicídio se refere “às mortes de mulheres causadas e legitimadas por um sistema patriarcal e misógino” (Misoginia vem do grego e significa miso – ódio, gene – mulher, ou seja, é um movimento de aversão ao que é ligado ao feminino). Em resumo, podemos compreender como sendo uma definição do homicídio de mulheres por razão de gênero.
Segundo Liliana Maiques Alves, “estima-se que cerca de 2% do PIB de cada país é gasto com a violência de gênero, enquanto que os investimentos com uma política que dê conta de estancar tal fenômeno são ínfimos”.
Lamentavelmente, embora tenham surgido avanços, os instrumentos criados não foram capazes de evitar a morte e romper com o ciclo de violência a que as mulheres estão submetidas e, não obstante, o debate sobre feminicídio ainda permanece embrionário na maioria dos países.
No Brasil, analisando as relações de poder ligadas a violência, 92 mil mulheres foram assassinadas entre os anos de 1980 e 2010 segundo pesquisa elaborada pelo Instituto Sangari, ou seja, nesses 30 anos ao invés dos óbitos diminuírem cresceram cerca de 217,6%. Espantosamente, “entre 84 nações avaliadas, nosso país alcançou o ranking de 7º lugar em taxa de homicídios de mulheres no período entre 2006 e 2010”.
Constatamos que ainda existe um longo caminho a ser percorrido para que a sociedade brasileira, além de reconhecer efetivamente a desigualdade de gênero, possa reivindicar aos órgãos públicos e considerar que é urgente a necessidade de combatê-la. Basta avaliar o caso de Maria da Penha Maia Fernandes que precisou denunciar a violência doméstica que sofria a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), para que o Brasil fosse responsabilizado pela tolerância judicial e, mesmo assim foram quase 20 anos de resistência para que o Estado brasileiro criasse a Lei Maria da Penha, dando um tratamento específico à violência de gênero.
Sabemos, a Lei Maria da Penha foi uma importante conquista, porém, está inserida no contexto dos países que se venderam ao projeto neoliberal recentemente, como é o caso do governo brasileiro, que insiste em reduzir sua responsabilidade, obedecendo às ordens nos anos 90 dos organismos internacionais para enxugar gastos. Com as mudanças estimuladas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial (Bird), o Estado passou a ter sua atuação reduzida, especialmente em relação aos investimentos públicos nas áreas sociais. Essa política adotada por esses governos supõe um desmantelamento do aparato do Estado no que se refere às políticas assistenciais e de igualdade de oportunidades para impulsionar o investimento no setor privado, obviamente indo de encontro aos interesses do capital.
Diante disso, somente no ano de 2011 foram cortados R$ 5,4 milhões para o programa de prevenção e enfrentamento da violência contra a mulher, segundo Alves. O corte de verbas, a falta de acolhimento das vítimas diante da necessidade de medidas protetivas, como a de separação de corpos quando a vida da mulher está em risco (chega a demorar até seis meses, conforme reconhece a própria ex-ministra, Iriny Lopes, da Secretaria de Políticas para Mulheres – SPM, citado no artigo de Tatiana Merlino), continuam sendo limitações que impedem garantir a integridade física e psicológica das mulheres.
Simone de Beauvoir “afirma ser necessário estudar a forma pela qual a mulher realiza o aprendizado de sua condição, como ela a vivencia, qual é o universo ao qual está circunscrita”, então, não exclusivamente, mas é através da educação que vamos avançar substancialmente numa perspectiva de conquistar a igualdade em todos os níveis, seja no mundo externo e ou no âmbito doméstico para “que as diferenças entre os sexos sejam de complementariedade e não de dominação” (Branca Moreira Alves e Jacqueline Pitanguy, 1981).
A educação é um dos poucos instrumentos capaz de não camuflar as raízes culturais da opressão histórica da mulher, de desnaturalizar as relações de poder entre os sexos e, sobretudo a sua posição social subalterna. A desigualdade, bem como a violência de gênero sendo fruto de um processo histórico, ou seja, “sendo História, e não natureza, é passível de transformação”, como bem explicitou Alves e Pitanguy.
Não podemos continuar permitindo que a questão da mulher seja relegada ao segundo plano apenas condenando as práticas da opressão e da violência, temos que avançar para uma educação não sexista, pois esta corrobora perpetrando as diferenças, cravando desigualdades entre os sexos, capazes de gerar injustiças quando não acolhe desde muito cedo as crianças como elas são e sim como a sociedade determina culturalmente, por exemplo, ao disseminar ideias discrepantes como homem é cérebro, razão e mulher é coração, emoção.
A desigualdade de gênero deve ser combatida através da adoção de uma política de discussão sobre o assunto no interior das escolas, com ações direcionadas para mostrar o caráter coletivo dos crimes de agressão cometidos, evitar seu esquecimento, sua banalização, mas em especial garantir a desconstrução dessas relações como uma forma de busca concreta da igualdade.
Como explicitou Tânia Pinafi, “(...) a conscientização da natureza histórica da desigualdade de gênero precisa ser trabalhada desde o início do ensino escolar, já que a desigualdade de gênero somada à ordem patriarcal vigente são alguns dos ingredientes que, unidos ao sentimento de culpa inculcado historicamente na psique das mulheres, contribuem para a perpetuação das relações desiguais de poder que acabam por acarretar em violência”.
(...) Então, além das políticas públicas criadas para a condenação e combate a violência contra a mulher, como a Lei Maria da Penha, nosso desafio é buscar a ampliação dos espaços de discussão para combater a desigualdade de gênero permitindo que as mulheres saiam da situação de vitimização e, assim reparar os danos causados, durante séculos, com o modelo de anulação da educação da mulher para o mundo externo (...).
Os programas de combate à violência devem ser institucionalizados em todo o país, mas não somente no campo da condenação quando esta ocorre e, sim da educação que tem um papel fundamental na transformação da sociedade, segundo Paulo Freire “se a educação sozinha não pode transformar a sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda”.
No Distrito Federal, o Conselho de Educação reformulou e atualizou as normas para o sistema de ensino avançando para uma prática inédita ao inserir como obrigatoriedade no currículo do ensino fundamental e médio a discussão sobre os direitos da mulher e o recorte de gênero:
“Pela primeira vez no Brasil, escolas públicas e particulares debaterão o tema com os alunos em sala de aula. Com maior número de denúncias contra a mulher, Brasília incluirá o tema da violência e dos direitos no currículo escolar. O direito das mulheres será tema discutido em salas de aula do Distrito Federal a partir de 2013. Assuntos como o preconceito e a violência envolvendo mulheres também serão discutidos em escolas públicas e particulares. A resolução que trata do tema foi publicada no Diário Oficial do Distrito Federal de 18 de outubro, após aprovação do Conselho de Educação do DF. Segundo o Conselho, a iniciativa é inédita no País. Para disseminar a ideia, professores das escolas públicas serão qualificados até o fim deste ano para transmitir as informações aos alunos de maneira adequada. Disciplinas como português, sociologia e história incluirão a questão da mulher no currículo escolar. O presidente do conselho, Nilton Alves Ferreira, informou que o órgão considerou o fato de Brasília ter o maior número de denúncias de maus tratos a mulheres. “A gente acredita que a criança, o adolescente, ao aprender na escola a respeitar a mulher, quando se tornar um adulto não irá agredi-la”, disse Ferreira. A historiadora e doutora em educação Renísia Cristina Felice diz que o assunto já é discutido em algumas escolas, mas que a resolução é positiva porque obriga que todas façam o mesmo. ‘A educação é o espaço que não só implementa políticas, mas que reproduz alguns valores da sociedade. Mas você constrói outros valores, e a educação é espaço para que isso aconteça’, diz a especialista.”
Não diferente do Distrito Federal, o estado de São Paulo, viu crescer 40% os casos de violência contra a mulher entre os anos de 2011 e 2012, segundo levantamento do Ministério Público Estadual.
Incluir a temática sobre a questão de gênero como obrigatoriedade no currículo oficial da Rede de Ensino do estado de São Paulo, a exemplo do que ocorreu no Distrito Federal e com a “História e Cultura Afro-Brasileira”, para que a sociedade ao reconhecer que a desigualdade de gênero existe possa desconstruí-la, avançando no debate e combater toda forma de opressão e violência contra a mulher. Os seguintes objetivos, a seguir descritos, devem nortear a decisão de incluir essa temática no currículo escolar:
Analisar o processo histórico de anulação da mulher na produção social;
Entender que a causa da opressão histórica da mulher foi e é responsável por vitimar de maneira drástica as mulheres;
Desnaturalizar as relações de poder entre os sexos;
Constatar que os altos índices dos casos de lesões corporais (como abuso físico e verbal, estupro, tortura, escravidão e assédio sexual), agressões psicológicas, bem como os feminicídios sofridos por mulheres são causados e legitimados por um sistema patriarcal e misógino;
Avançar na reparação de danos, não somente com uma legislação que pune, mas com a implantação de um programa efetivo de educação pública na perspectiva de fazer um resgate histórico da prática de opressão milenar a que as mulheres estão submetidas;
Reconhecer a necessidade da emancipação da mulher e promover uma nova sociedade em que possamos repaginar a história da humanidade enquanto produtores sociais num esforço voltado para prevalecer o respeito pela igualdade de gênero e imprimir definitivamente essa condição como uma característica intrínseca na essência da natureza humana;
Compreender que apesar das mulheres serem 51,3% da população brasileira, terem conquistado o mercado de trabalho, estarem ocupando assentos nas universidades e terem implementado uma lei que pune a violência doméstica não alcançaram a igualdade de gênero;
Reforçar que o Dia Internacional da Mulher não é uma data comemorativa e sim um dia de mobilização dedicado aos ideais de liberdade, igualdade e combate a violência de gênero;
Elaborar conhecimentos significativos para trazer uma profunda reflexão e mudança de comportamentos sociais responsáveis pela violência gerada contra as mulheres no mundo inteiro.
A proposta ora encaminhada através desta indicação foi apresentada e sustentada pelos seguintes educadores: Nayara Alves Navarro (Presidente do PSOL de São Bernardo do Campo e vice-coordenadora da APEOESP subsede de São Bernardo do Campo), Aldo Santos (Presidente da APROFFESP e coordenador da APEOESP subsede de São Bernardo do Campo), André Sapanos (Presidente do PSOL de Mauá), Alberto Ticianelli (Presidente do PSOL de Ribeirão Pires) e Diógenes Batista de Freitas (Membro do Diretório do PSOL de São Bernardo do Campo e conselheiro estadual da APEOESP subsede de São Bernardo do Campo).

Sala das Sessões, em
Deputado Carlos Giannazi

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