sexta-feira, 23 de março de 2018

Precisamos arrancar das lições do passado a memória revolucionária, fazer o enfrentamento no presente e resgatar a poesia e a utopia perene de nossas lutas.


Associação dos Professores de Filosofia e Filósofos do Estado de São Paulo
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TEXTO 1

Conjuntura educacional*

No livro ”Organização política e política de quadros”, de Ademar Bogo, publicado pela  expressão popular, primeira edição de 2011, o autor traça um itinerário da situação política tendo como marco a queda do muro de Berlim em 1989, aponta os variados desmontes organizativos e  numa descrença efetiva de mudanças revolucionárias, onde muitos bateram em retirada , outros tentaram repetir os formatos organizativo historicamente construído, levando a um distanciamento não só das práticas políticas  transformadoras, mas também da teoria que interpretava corretamente o movimento das contradições históricas. Ainda segundo o autor, Lenin viveu este dilema, classificado como “ondas”, afirmando que “Nos períodos pacíficos, que fazem parte da pré-revolução e podem durar décadas, a marcha é lenta. Nos períodos revolucionários - curtos e rápidos - as massas e todas as forças querem decidir logo as disputas”. Entretanto, nos dias atuais, todos os agentes e interlocutores que lutam por um mundo novo sofrem e ficam confusos, pois parece que nossos chamados e apelos são vagos e caem no vazio, sem a devida ressonância ou resposta efetiva da sociedade em que vivemos.

Guardadas as devidas especificidades, lembra muito o mito grego de Sísifo. O que é “trabalho de Sísifo”: trabalho de Sísifo é uma expressão popular originada da mitologia grega, remetendo a todo tipo de trabalho ou situação que é interminável e inútil. O significado contemporâneo desta frase está relacionado com a ideia de que por mais trabalho e esforço que se faça em relação a algo, os resultados são sempre infrutíferos, irrelevantes e frustrantes. Alguns estudiosos, como o escritor e filósofo francês Albert Camus, utilizavam dos princípios do trabalho de Sísifo na mitologia grega para explicar algumas características da condição humana. A vida dos seres humanos, segundo Camus, seria semelhante ao trabalho de Sísifo, pois vivem para seguir uma rotina diária e repetitiva de atividades, normalmente sem um propósito concreto, tornando-a um absurdo. (https://www.significados.com.br/trabalho-de-sisifo/).

Ainda conforme Bogo, “com a demora em surgir a nova onda de ascenso, muitas entidades historicamente respeitadas se burocratizam, se atrasam ideologicamente e perdem a noção dos desafios estratégicos, tornando-se conservadoras na linguagem e desatualizada no conteúdo político”. (pág. 11-12).

No livro de Emir Sader, Século XX uma biografia não autorizada, publicado pela Editora Perseu Abramo, 2ª edição - 2010, ele afirma que “O século XX se anunciava como o século do socialismo e termina com a consolidação da hegemonia do capitalismo, e em sua forma mais selvagem: ideologia norte-americana, neoliberalismo econômico, dominação do capital especulativo, do consumismo, do egoísmo, da predação ambiental”. Que século foi esse, então, que combinou desenvolvimento tecnológico com concentração de renda, enfraquecimento dos laços da sociabilidade, com hegemonia dos grandes meios de comunicação de massa de caráter monopolista? Nessa obra, Emir Sader analisa em profundidade essas questões, retomando conceitos e ideias que permitem uma abrangente compreensão do “século do imperialismo”.

Já o início do XXl o mesmo está marcado pelo avanço de forças reacionárias, fome alarmante no continente africano e em várias partes do mundo, além do cerceamento (ideológico, econômico, militar) de países nas Américas que tentam romper com a lógica capitalista que nos condena à pobreza e dominação desde os tempos da colonização.

No Brasil não é diferente, pois, com os avanços e poucas conquistas que lutamos durante décadas, estão sendo destruídas por este governo, que se apoia nas instituições mantenedoras da ordem positivista do estado burguês. Ordem para quem? Progresso para quantos?

A sinalização da intervenção militar no Rio de janeiro, como disse os representantes do Exército, é um laboratório para o restante do país. Portanto, estamos num momento de retrocesso e descenso da classe, com a esquerda fragmentada que em nada se renova, tendo como ponto de apoio as entidades e partidos que por anos pactuaram com a burguesia, cuja herança é o mesmo poder existente dominador das elites que sempre se serviram do Estado brasileiro para perpetuar seus privilégios e “negócios”.

Achar que somente um partido, que esteve no poder recentemente, foi o criador das práticas de corrupção no Brasil é muita ingenuidade, ou uma atitude de má fé para desviar a atenção da população das causas estruturais e endêmicas que corroem a nação brasileira há muitas décadas, senão séculos! E se a questão é política, não será o Poder Judiciário, com seus juízes e desembargadores apinhados de privilégios e/ou o Ministério Público que irão acabar com a corrupção no país, agindo como savonarolas da pós-modernidade! Somente intervenções políticas transformam a Política!

              No âmbito da educação, além da reforma do Ensino médio e da desestruturação da educação pública no Brasil em todas as esferas, a Base Nacional Comum Curricular deve ser publicada em breve, trazendo apenas a Matemática e a Língua Portuguesa como disciplinas formais e obrigatórias; as demais disciplinas ficarão condenadas ao ostracismo e segregadas pelos governantes aliados dos grandes grupos empresariais de educação e sua lógica neotecnicista e de mercado. Ora, para nós a educação de qualidade não é mercadoria, mas um direito de todas as crianças e jovens brasileiros.

              Nossos desafios são monumentais e vai precisar ter muita ousadia para continuar lutando contra este estado de coisas. Precisamos arrancar das lições do passado a memória revolucionária, fazer o enfrentamento no presente e resgatar a poesia e a utopia perene de nossas lutas. Não podemos ceder ao pessimismo e derrotismo dos sísifos atuais que nos paralisam e nos matam.

A filosofia tem um papel fundamental nesta narrativa e no contexto que nos faz compreender criticamente a realidade e suas interpretações, assim com as ciências humanas e demais excluídas da Base Nacional Comum. Precisamos reunir as excluídas urgentemente para pressionar o MEC através dos governos dos estados a fim de que possamos sobreviver a este tsunami político-educacional conservador e reacionário.

Por fim, neste mês das mulheres, é fundamental nosso compromisso com a conscientização da sociedade em que vivemos, onde ainda impera o machismo, as atrocidades contra as mulheres e o feminicídio naturalizado.

Precisamos também aprofundar o debate teórico dos clássicos a partir de uma leitura da sociedade dividida em classes antagônicas, sendo que a felicidade humana não existirá sem o fim do capitalismo que explora, oprime e mata, desde o início e no mundo inteiro, os que vivem do trabalho e teimam em sobreviver mesmo quando o próprio direito ao trabalho lhes é tirado. “E sem o seu trabalho o Homem não tem honra e sem a sua honra se morre, mata, não dá pra ser feliz” (Gonzaguinha).

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*Aldo Santos é presidente da APROFFIB - Associação dos Professores de Filosofia e Filósofos do Brasil; vice-presidente da APROFFESP; coordenador da subsede da APEOESP - São Bernardo do Campo, SP.

*Colaboração: Chico Gretter, presidente da APROFFESP, conselheiro estadual da APEOESP, professor de Filosofia da rede estadual, mestre em Filosofia e História da Educação.

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