segunda-feira, 21 de outubro de 2024

CARTA AO PRESIDENTE LULA, PEDINDO ANISTIA PARA ALDO DOS SANTOS E CAMILA ALVES

 


Introdução! ***

Fica uma triste impressão de que mesmo o reformista “princípio da diferença” de John Rawls não é levado em consideração em muitas decisões judiciais brasileiras, reflexo, talvez, da influência político-ideológica de parte do magistrado, envolvida de corpo e alma na luta de classes.[1]            Temos casos na Justiça brasileira que causam indignação, como a sentença judicial proferida contra o professor aposentado e ex-vereador Aldo dos Santos e a ativista Camila Alves, em um processo decorrente de uma ocupação denominada Acampamento Santo Dias, realizada em 2003, quando o então vereador em São Bernardo do Campo disponibilizou um veículo do seu mandato para levar mulheres e crianças necessitadas de cuidados médicos do Acampamento para algum hospital.            A condenação privou Aldo dos Santos e Camila Alves de seus direitos políticos e impôs duras e impagáveis multas, hoje, corrigidos os valores, mais de um milhão de Reais para ele e cerca de 70 mil Reais para ela. Aldo e Camila vivem constantemente sob tensão, com as contas bancárias bloqueadas, dificultando-lhes o sustento e a manutenção da vida digna.[2]             Casos assim revelam as contradições entre as leis e a concepção de justiça, e fazem com que o Direito se torne tema indispensável da Filosofia, assim como a relação entre moral e ética. Afinal, o que é a justiça e qual é a sua relação com as leis? Platão acreditava que as leis seriam um meio para garantir a justiça, depois dele muitos outros filósofos expuseram as suas ideias. Mas podemos resumir dizendo que as lei são formas concretas da intenção de realizar socialmente um conceito abstrato, a justiça. A justiça está, ou deveria estar relacionada à equidade, e deve, ou deveria estar acessível a todos/as.            A Lei brasileira estabelece o direito à moradia, que em grande medida assegura o direito à vida digna. Nada neste país vem “de graça”, não há e nunca houve uma forma de governo que de fato transformasse a realidade brasileira, principalmente sobre a questão da moradia. Dessa forma, os Movimentos Populares cumprem uma função essencial, conseguindo em algumas oportunidades garantir esse direito à população vulnerável, excluída. Mas como dissemos acima, não fica “de graça”, porque aqueles/as que ousam lutar por essa população considerada pelo sistema social como “ninguéns” são considerados/as pessoas perigosas e devem ser neutralizadas.            Acreditamos que Aldo dos Santos e Camila Alves não são as primeiras nem as últimas vítimas do sistema capitalista brasileiro e outras lideranças populares estão sujeitas ao mesmo cerco sistêmico. Não importa, continuemos a lutar, repetimos que nada na vida [especialmente dos/as excluídos/as sociais] vem “de graça”.            Leiam abaixo a carta encaminhada ao Presidente Lula, pedindo anistia para Aldo dos Santos e Camila Alves, pois consideramos ser o único caminho possível neste momento para restabelecer a justiça. (Comitê Anistia Aldo dos Santos e Camila Alves). CARTA AO PRESIDENTE LULA PELA ANISTIA DE ALDO SANTOS E CAMILA ALVES Presidente Luís Inácio Lula da Silva, eu, Aldo Josias dos Santos, professor, filósofo, escritor, militante sindical e defensor das causas sociais, tomo a liberdade de vir à sua presença para pedir, em nome da luta por direitos em favor do povo brasileiro, que tanto você quanto eu dedicamos a nossa vida, que conceda a Anistia de um processo injusto que o Estado Brasileiro move ao nosso desfavor.  Processo gerado por uma ação de justiça social em que eu, migrante num pau de arara e filho das terras nordestinas, indignado com a miséria e ausência do Estado na atenção dos despossuídos dos direitos básicos, indispensáveis a qualquer cidadão/ã, fui condenado a uma pena perpétua, porque é impagável para um professor aposentado da rede pública estadual.Com minha conta bancária por duas vezes bloqueada e impossibilitado de receber meu benefício e única renda, ainda sofro com ameaça de penhora do bem imóvel que serve para me abrigar. Fui julgado e condenado tão somente por disponibilizar um veículo oficial do meu mandato, enquanto vereador pelo PT em São Bernardo do Campo, para encaminhar ao hospital da cidade mulheres e crianças do Acampamento Santo Dias, necessitadas de atenção médica, em 2003. O referido movimento foi denominado pelos ocupantes de Santo Dias, em memória ao metalúrgico assassinado com um tiro na barriga em 30 de outubro de 1979, em frente à fábrica Sylvania, na zona sul de São Paulo.São Bernardo do Campo, cidade historicamente reconhecida como nascedouro das grandes lutas dos/as trabalhadores/as nas últimas décadas, é também o berço da construção da sua história, e que por vezes cruzou com a minha trajetória de luta em defesa de moradia digna para os/as trabalhadores/as, como foi o caso da ocupação na região do Bairro Jussara, ocorrida em 3 de dezembro de 1989, cujo o reconhecimento popular batizou com a junção do seu nome com o meu, designando oficialmente o local como VILA LULALDO.Hoje, com 71 anos, mas sem abandonar por um instante sequer a esperança de construção de um mundo justo, igualitário e com direitos básicos garantidos, tenho ainda muito a construir, não posso ficar privado dos meus direitos políticos e das condições básicas para sustentar a vida digna por uma ação da Justiça Brasileira que não levou em consideração a razão do ato, mas sim a criminalização do movimento. Este processo teve início em 2003 numa ocupação do MTST do terreno da Volkswagen do Brasil, em frente à própria empresa situada ao lado da Via Anchieta em São Bernardo do Campo. Hoje existe no local um potente depósito das Casas Bahia. Até então, Santo Dias foi considerada a maior ocupação urbana do país, envolvendo diretamente mais de 10 mil pessoas em busca desesperada por uma moradia popular. Nesta ocasião a companheira Camila Alves era coordenadora da ocupação.Na sentença proferida pelo ministro Alexandre de Morais, como consta na  manifestação do Ministério Público, afirma que:“Aldo Josias dos Santos (condenado à suspensão dos direitos políticos por cinco anos, ao pagamento da multa civil na quantia de dez vezes o valor da remuneração por ele percebida como agente politico na época dos fatos e à proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos) e Camila Alves Cândido (condenada a pagar indenização pelos danos causados à ordem social e urbanística no valor de R$5.000,00 destinado ao fundo de reparação de interesses difusos). Segundo planilhas atualizadas o executado Aldo Josias dos Santos, sua multa hoje é de R$ 1.034.647,43 e a executada Camila Alves Cândido, o total devido é de R$ 60.052,35. Consta ainda que, ‘sendo assim, e diante do lapso de tempo decorrido, apresento planilha atualizada de débito e requeiro a penhora de bens dos executados via sistemas SISBAJUD, INFOJUD, RENAJUD e ARISP’. (Documento datado de 22 de abril de 2024)” A anistia é nossa última esperança. Eu e Camila não cometemos crime por ajudar pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, pessoas carentes daquilo que é fundamental à dignidade humana: moradia, alimentação e saúde.Recorremos a você, Presidente Lula, especialmente porque conhecemos o seu senso de justiça e preocupação com o povo brasileiro. Recorremos a você porque conhecemos a sua história e as injustiças que sofreu por ser quem você é e representar o que você representa.Dessa forma, na esperança de sermos atendidos, permanecemos à sua disposição para eventual reunião e esclarecimentos dos fatos, caso julgue necessário. Atenciosamente e com muita admiração,  São Paulo, 29 de junho de 2024.

 

 

Aldo Josias dos Santos                                                              Camila Alves    


    

 


[1] John Rawls foi um importante professor de Filosofia Política estadunidense. O “princípio da diferença” é uma forma de garantir a justiça fundamentada pela equidade, proposta por este autor em Uma Teoria da Justiça (1971). Esse princípio prega a equidade na redistribuição de recursos e tem como objetivo assegurar os meios necessários para promover e sustentar a dignidade humana para todos/as. Saiba mais em John Rawls e os princípios de justiça: algumas aproximações conceituais para o jurista contemporâneo, de Marcelo Machado Costa Lima, disponível em:https://www.mprj.mp.br/documents/20184/1606779/Marcelo_Machado_Costa_Lima.pdf.

[2] Conheça os detalhes descritos na Carta ao Presidente Lula, abaixo.


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